INFÂNCIA - Queria ter voado!

Minha madrinha acabara de me presentear com uma camiseta do Super-Homem. Vi o azul brilhante da peça, o símbolo com "s" sob o fundo vermelho e fiquei extasiado.

Sem nem pensar muito, lá fui eu arrumar uns apetrechos para ficar mais parecido com o super-herói galã da TV. Meia hora depois eu já estava devidamente trajado para as aventuras: além da camiseta, meu visual era formado por franja molhada moldada em forma de vírgula, short vermelho de náilon e os pés livres das sandálias, para poder correr mais rápido.

Fiz também uma capa de voar com um sacolão branco escrito "Mappin" em vermelho. Recortei-o usando minha tesourinha de extremidades arredondadas e preguei as pontas nos ombros com durex. A parte chata de usar a capa improvisada era ter que parar de correr toda hora. A capa descolava com frequência. Reforcei a colagem com uma pelota de durex, que depois até pesava no ombro. Até carregava o rolo de fita no bolso do short para quando fosse necessário um pit-stop de reforço.

Com a força imaginária por mim recém-adquirida, levantei minha cadeirinha laranja de madeira. Dei um grito! Foi um que peguei emprestado do He-man: "eu tenho a força!". Aliás, meu cabelo loiro, com a franja, era mais parecido com o do He-man. À essa altura, eu já tinha me desvinculado do Super-Homem que eu imitava e do He-man, cujo cabelo parecia mais com o meu, para criar meu próprio herói: Super-Moleque. Tentei levantar a cadeira de adulto que ficava na cozinha. Por causa da dificuldade, a força foi suficiente apenas para levantar a cadeira uns dez centímetros do chão. E não sobrou fôlego para dar grito de guerra com a cadeira no ar.

Fui para a janela da sala. Fiz posição de vôo, gritei "para o alto e avante" e saltei. Foi no ar que me dei conta de que não estava voando, enquanto caía. Dei um "oi com a bunda" para uma pilha de blocos lá embaixo. Fiquei estatelado, chorando, até meu pai me ver assustado pela janela e assustar-se também. Ele foi até lá me buscar. Me deixou vermelho igual um pimentão, passando merthiolate no meu corpo esfolado.

Minha mãe tinha ido pescar. Estava estressada devido à dupla jornada de mãe de pirralho bagunceiro e bancária. Seguindo recomendações médicas, catou umas varas, isca, molinete, jogou tudo no banco traseiro do fusquinha e se mandou para a beira do rio. Ao retornar, me viu todo arrebentado e a calmaria com que chegou do passeio foi para o espaço. Ela deu um pulo e um berro ao me ver todo estropiado e brigou com o meu pai, culpando o coitado por eu ter tentado voar.