Acaso, Romance e Sorte - Parte 2
3.
O incidente matinal entre Marília e eu passou despercebido.
Acordei algumas horas depois sendo coberto pelos beijos de uma Vanessa com cara de sono e com o sorriso amarelado mais lindo da cidade. Assim que abri os olhos e devolvi o sorriso, a bicha tascou-me um beijo de língua e lá estava eu novamente de barraca armada. Ela percebeu a situação e agarrou-o com a mão direita, por dentro da cueca, e começou a socar uma punheta. Continuava me beijando e socando. Desgarrou dos meus lábios e beijou meu pescoço, enfiou a língua na minha orelha, voltou pro pescoço e mordeu-o e depois foi descendo distribuindo beijoquinhas barulhentas pelo meu peito, pela minha barriga, pelo baixo ventre até que, por fim, encaçapou meu - já-cansado-de-ficar-duro - pau com aquela boquinha aveludada. Ela tinhas as manhas. Ficou durante uns bons minutos subindo e descendo a boca na parada sem utilizar as mãos pra segurar e não deixou escapar uma só vez. Menina habilidosa! Quando resolveu utilizar as mãos, não deu muito certo. Mexia nas bolas, me masturbava, torcia meus mamilos, apertava minha bunda, lambia o períneo entre outras coisas que me fizeram explodir num gozo que a filha da puta fez questão de afundar a boca quando comecei a dar os indícios de uma abundante jorrada de porra. Enquanto eu recobrava os sentidos após virulenta ejaculação, ela continuava lá, chupando como se não houvesse amanhã. Comecei a ter outra ereção. Vanessa sorriu com meu pau na boca. Gozei de novo, cinco minutos depois.
Os demais habitantes e intrusos da casa já estavam acordados, conversando na cozinha. Um cheiro de café maravilhoso assaltava o ambiente. Tentei convencer Vanessa a tomarmos um banho juntos mas ela foi irredutível ao negar. Farol vermelho tem um só significado...
Tomei banho olhando aquelas calcinhas, de novo. Qual delas seria da Mel? Será que os outros caras ficaram se perguntando a mesma coisa? Homem é uma raça filha da puta. Com certeza um deles deve ter roubado alguma daquelas calcinhas ou batido uma punheta com uma delas colada no nariz. Raça filha da puta do caralho!
Os caras pareciam bem à vontade no lugar. Fabiano, o alemão, estava de camiseta branca - que não era dele - e samba canção enquanto o moreno, Luiz, estava de calça jeans, sem camiseta. Bebiam café e conversavam na sala com o pé no sofá ou na mesinha de centro. Sentei no chão com uma xícara em mãos e fiquei olhando pro Luiz, enquanto ele falava sobre seu trabalho. As donas do barraco estavam na cozinha, provavelmente falando do tamanho dos nossos pintos e fazendo comparações de performances. Marília e Vanessa tinham algo em comum. Eu e Luiz tínhamos algo em comum. No entanto, ninguém sabia de nada. Vida filha da puta, essa...
O dia foi agradável. As garotas apareceram na sala com um cigarrinho daqueles, todos fumamos e fomos almoçar num restaurante japonês. Desta vez, fomos no carro da Mel, que era mais espaçoso. Um daqueles que você transforma a parte do porta-malas em mais um banco. Mel, obviamente, era a ruiva. O alemão tinha dado sorte. Enquanto fumávamos o baseado, fiquei apreciando as pernas da Melzinha. Chegavam a ser hediondas de tão grossas. Ela usava um shortinho rosa de pijama que deixava a polpa da bunda à mostra. O ambiente parecia estar tranqüilo para os demais. Eu via nunces em qualquer coisa. Eu olhava pra cada uma delas e me perguntava qual era a mais tarada na cama. Não sei se os outros faziam a mesma coisa. Se elas faziam a mesma coisa. Na fumaça que era soprada pro alto eu via apenas uma palavra se formando: SEXO.
Como eu dizia, fomos almoçar num japa da zona norte no carro da Mel e depois passeamos no Parque da Juventude.
Vanessa era doce. Talvez ficasse maçante quando bêbada e na primeira conversa. Caminhando num pedaço do parque que conservou as construções iniciais de um novo pavimento, Vanessa falou de sonhos, da sua vida no interior, da maconha, da dificuldade de trabalhar com cinema e de nós dois. Sim, ela citou um "nós". Ficou meio sem jeito ao ver que eu tinha ficado sem jeito. Ficou ainda mais linda sem jeito. E falou que eu fiquei lindo sem jeito.
- E você, o que faz da vida?
"Tava demorando pra essa pergunta aparecer", pensei com meus botões. "Nada", era a palavra que melhor definia meu status quo. Mas como responder que você não faz "nada" pra alguém que estuda, tem um futuro planejado, fez de tudo na vida e faz de tudo na vida? Eu não tinha ambição, estava perdido, fodido, cansado, niilista ao extremo, "liso, leso e louco", como diria a minha avó. A vida tinha finalmente arranjado um jeito de se pendurar nas minhas costas e chutar minha bunda todos os dias por N motivos. Tinha largado uma faculdade que não gostava - a terceira faculdade que não gostava, no caso. Tinha largado um emprego que não gostava e o pouco dinheiro recebido após a demissão estava acabando e minhas perspectivas eram tão boas quanto a de um peixe que fora largado no deserto do Saara.
Após um ou dois minutos de silêncio e com uma fachada de quem "está reunindo uma longa e brilhante e excitante história pra contar" - quando, na verdade, eu arranjava um jeito de resumir toda uma sucessão de fracassos em poucas e certeiras palavras -, eu decidi falar. E falei. Fui lacônico, preciso. Enchi os pulmões e falei:
- Nada.
E "nada" ela falou. Apertou minha mão, sorriu pra mim, disparou uma bitoca no meu braço e mergulhou em algum devaneio. Aquilo me surpreendeu de uma forma tão abstrata que não consigo expor em palavras. Eu esperava uma resposta indignada. "Como assim, 'NADA'? NINGUÉM faz 'NADA'? Vai viver do quê? De 'nada'?". Ou uma resposta zombeteira que a remeteria a si própria: "Ah, vivendo às custas dos pais, hein, safado? hahaha".
Na hora, não consegui definir como bom ou ruim aquele silêncio dela após descobrir que eu não era nada, não fazia nada, seria nada. Nada.
- Rafa?
- Oi?
- Defina o "nada" que você faz da vida.
- É uma longa e enfadonha história, não vale a atenção que você vai prestar nela, Nessa - Tentei escapar.
- Vem cá! - Deu meia volta puxando-me pelo braço - Vou sentar ali com o Rafa, meninas. Dá um toque quando quiserem ir embora e a gente se encontra ali na ponte, pode ser?
- Pode - Responderam as meninas em uníssono.
Sentamo-nos num gramado um pouco elevado que margeava umas trilhas de corrida. A tarde estava agradável, o silêncio sendo parcamente maculado apenas por risadas de crianças na quadra de tênis distante umas boas dezenas de metros e pelo chilrear de pássaros se preparando para dormir - ou sei lá o quê que eles fazem quando o sol se põe.
- Bem, como você não faz "nada" da vida e eu também não enquanto as férias da faculdade não acabam, temos todo esse tempo pra você contar e eu ouvir a sua história.
- Por que você quer saber?
- Por acaso você é um serial killer?
- Não, mas vou acabar matando você de tédio se começar a falar da minha vida babaca.
Ela riu sonora e sinceramente disso. Senti-me um pouco melhor com isso, sem saber direito a razão. Afinal, eu estava fodido, prestes a expor a bela interrogação existencial que era a minha vida. E eu tinha a impressão de ter ouvido a frase que tinha acabado de proferir em algum lugar. Em algum filme, pra ser mais preciso. Mas ela entendia tudo de filmes e não falou nada a respeito. Talvez a frase fosse minha, mesmo...
- Bem - retomei a conversa - se você quer saber, então vamos lá.
Falei por meia hora, no mínimo, sem parar. Fui o mais sadomasoquista possível contando a história. Perdão, sadomasoquista não, sincero. É que dá na mesma, atualmente.
E o que aconteceu foi que eu entrei na minha casa (na casa dos meus pais) duas horas depois, abri uma mala pequena, joguei três calças jeans, duas bermudas, dez camisetas e meia dúzia de cuecas diversas e alguns pares de meias e anunciei apressadamente que estava saindo de casa. "Filhos", eu ouvia a voz dos meus pais na minha cabeça, "nós damos tudo pra essas porras, damos a vida, pra eles nos abandonarem na primeira oportunidade". Sinto muito, papai e mamãe, mas eu não pedi pra vir ao mundo.
Joguei a mala no banco de trás do carro da Vanessa, abri a porta da frente, sentei, coloquei o cinto e esperei ela ligar o carro. Ela não ligou.
- Não está esquecendo de nada, bonitão?
- Caralho, meus textos!
Voltei pra dentro de casa correndo. Quatro pares de olhos me fitavam enquanto eu reunia meia dúzia de pastas com textos impressos e rascunhos e saía porta afora. Pra nunca mais voltar.
Conheci Vanessa no sábado à noite e na segunda-feira de manhã estávamos morando juntos.
Quer dizer, eu estava morando com elas.
Vida estranha.