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Ao ler a história do sujeito que manteve sua filha prisioneira durante vários anos e abusou dela nesse tempo todo, tendo com ela vários filhos, e depois vendo que isso também acontece amiúde no  Brasil, lembrei-me da história das Filhas de Lot, contada no episódio bíblico de Sodoma e Gomorra. E não sei porque,de Niezstche, com a sua maluca idéia do eterno retorno.

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Lot era sobrinho de Abraão, o patriarca hebreu que fundou a nação dos judeus. Essa história está na Bíblia e tudo que escrevemos aqui não é invenção da nossa cabeça.
A Bíblia não explica a verdadeira razão de Abraão ter deixado a Mesopotâmea, terra dos caldeus, para se mudar, com sua família e todos os seus agregados para a Palestina. Mas lendo Flávio Josefo, um historiador judeu dos tempos de Jesus Cristo, ficamos sabendo que Abraão, na verdade, era um sacerdote caldeu que um dia descobriu que havia uma força no universo que fazia com que tudo obedecesse a uma certa lei. E era por conta dessa força que o sol brilhava durante o dia e se escondia durante a noite. Por isso, igualmente, a lua substituía o sol, á noite, quando ele se ausentava e dava força às marés. E também influenciava todos os fluxos líquidos da terra, inclusive aquele que acontece às mulheres pelo menos uma vez por mês. 
Com isso ele começou a imaginar que se havia um processo que regulava os caminhos dos astros no céu, deveria haver também algo semelhante para regular a vida dos homens na terra, E por traz disso devia haver uma Vontade a presidir tudo, ou seja, um Deus que controlava esse processo, e por sua vontade, tudo acontecia ou deixava de acontecer na terra e no céu.
E daí a descobrir que Ele tinha um propósito para a raça humana, foi apenas mais um passo. Esse própósito era uma uma idéia de aperfeiçoamento contínuo das faculdades espirituais do homem, até que ele mesmo se igualasse aos seus próprios construtores, que eram os anjos(os chamados elohins). Essa é a tese defendida pelo Talmud e pelo Zohar, o místico livro da Cabala, que começou a ser escrita pelo próprio Abraão, quando ele teve essas iluminações.

Mas para que isso acontecesse, pensou Abraão, era preciso que Deus separasse entre os povos existentes naquela época uma matriz que pudesse ser trabalhada segundo esse modelo.
Ora, a antiga religião dos caldeus pregava que o mundo era obra de uma infinidade de deuses. Havia o deus da chuva e o deus que promovia a seca; o deus que trazia a doença e o deus que fazia a cura;o deus que representava a luz e o deus que simbolizava as trevas; o deus do doce e o deus do azedo, o deus que dizia sim e o deus que dizia não.
Abraão, de posse desse novo conhecimento concluiu: tudo isso é uma grande besteira. Só há um único Deus. Ele é que fez tudo e controla tudo. Ele é o proprio universo, ou seja, um poema de verso único, embora tenha uma multiplicidade de faces e muitas interpretações.
Mas em Ur, onde ele vivia, e na Babilônia, Assur, Nínive e outras cidades da Mesopotâmia, havia um grande número de pessoas que viviam da prática da religião. Sempre foi assim. Dizem que a prostituição é a mais antiga profissão do mundo, mas não é verdade. O exercício do sacerdócio e a exploração da crendice popular são atividades bem mais antigas. O comércio da fé é um negócio que nasceu praticamente junto com a invenção da linguagem. E sempre se mostrou muito lucrativo. Até hoje é. Houve um tempo em todas as famílias importantes queriam ter uma padre, ou um sacerdote, fosse qual fosse a religião, no clã. Ser padre era mais importante do que ser médico, advogado, engenheiro, politico ou militar. Além das boas rendas que proporcionava a carreira, ainda tinha aquela prerrogativa de se ter um bom intermediário em casa para negociar os pecados da familia quando chegasse a hora de fazer a contabilidade com Deus.

Mas então sucedeu que com essa idéia de que só havia um único Deus, Abraão prejudicou o ganha pão de muita gente na Mesopotâmea dos grandes magos, e por isso ele foi expulso daquela terra. A Bíblia diz que foi Deus quem mandou ele sair de lá e procurar outro lugar para viver com a família. Talvez fosse mesmo, pois se Abraão ficasse lá, talvez nem Deus pudesse salvá-lo da fúria homicida que ele provocou com aquela idéia de um deus único que podia ser consultado sem intermediários e não recebia propinas para fazer os serviços que a Ele competia fazer para manter os seres humanos felizes. Abraão tirou a boquinha de um monte de gente que vivia às custas dos pobres e infelizes ignorantes que acham que podem enriquecer sem trabalhar, se curar de suas doenças sem remédios e sem assistência médica, ser felizes nas relações conjugais e sociais sem um aperfeiçoamento das suas próprias personalidades e principamente consertar suas vidas tortas sem um mínimo de esforço pessoal e renúncia aos seus desejos mais mesquinhos. 
Abraão então foi embora de Ur dos caldeus e levou sua família para a Palestina. Família, naqueles tempos, era todo o clã, que no caso de Abraão, constituía praticamente uma tribo inteira. Dela fazia parte os irmãos, os cunhados, primos, agregados, que eram os pastores dos seus rebanhos, as aias, e todos os outros serviçais, que eram centenas.
Abraão tinha um sobrinho chamado Lot. Ele também, como o tio, era sacerdote da religião caldaica. Os caldeus, como se sabe, sempre foram tidos como mestres em astrologia, adivinhações, profecias e outros conhecimentos arcanos que ainda hoje são cultivados no mundo inteiro. Portanto, o grupo de Abraão, na verdade, tinha dois líderes, e o que tinha de acontecer, quando isso ocorre, aconteceu. Os dois grupos acabaram brigando. Não os dois líderes, Abraão e Lot, que eram parentes, mas os pastores de um e outro, pois cada um deles queria os pastos melhores para seus respectivos rebanhos. Isso acontece nas melhores famílias e na de Abraão não foi diferente. Só vai deixar de acontecer quando deixarmos de ser humanos.
Foi assim que o grupo se separou. O grupo de Lot preferiu acompanhou o curso do Rio Jordão e se dirigiu para o sul.  Foi parar nas proximidades do Mar Morto (que não era nada morto naquela época), e o grupo de Abraão seguiu o sentido contrário, para o norte, indo parar nas terras conhecidas pelo nome de Canaã, se fixando próximo a uma cidade chamada Hebron. ( Daí talvez o nome pelo qual ficaram conhecidos os seus descendentes, os hebreus).
Lot, com seus conhecimentos da ciência da época, se tornou gente importante na cidade de Sodoma, que então era a metrópole da área. Ali, nas cercanias do Mar Morto, segundo a Bíblia e também Flávio Josefo, havia uma florescente civilização, que vivia da agricultura, pastoreio, exploração de minas de cobre e sal, e também de um buliçoso comércio que servia de entreposto entre as cidades da Mesopotâmea e o Egito, então as duas regiões mais civilizadas do mundo na época. Era a terra dos cinco reinos, como a chama a Bíblia, com cidades importantes como Sodoma, Gomorra, Salém, Zhoar e outras.
Só que o povo dessas cidades não era lá muito chegado a essas coisas de moral. Principalmente em questões relativas ao sexo. A promiscuidade ali era tanta, que os termos sodomia e sodomita se tornaram sinônimos de degeneração sexual e de quem as pratica.
Conta-se que os sodomitas, principalmente, não faziam muita distinção entre homens e mulheres em questões de sexo. O que estava á mão servia, não importando se era macho ou fêmea. Nessa panela se cozinhava tudo junto. Irmão, irmã, pai, mãe, filha, filho, sobrinha, sobrinho, qualquer um servia na hora da farra. 
Os homens hebreus, como eram conhecidos os grupos de Lot e Abraão, eram mais comedidos nessas coisas. Eles eram monogâmicos e tinham uma certa ética nessas questões de sexo. Quando muito topavam pegar uma ou outra servente da esposa, quando esta não conseguia lhes dar filhos, mas esse negócio de homossexualismo e relações incestuosas, não era com eles não.E eles tinham uma razão muito boa para manter toda essa moralidade nas questões sexuais: a pureza racial e a homogeneidade cultural do clã, que poderia ser maculada se a promiscuidade sexual fosse instalada no seu meio.
Um dia, diz a Bíblia, e Flávio Josefo também corrobora essa informação, Deus se cansou da promiscuidade e da degeneração sexual em que as cidades da região estavam mergulhadas. Eu acho que foi mais o medo de que seus escolhidos hebreus acabassem se contaminando com os costumes pervertidos da civilização do Vale do Jordão que fez com que Jeová, o deus dos hebreus se voltasse contra ela. Afinal, como diz o filósofo Santo Agostinho, vício é sinônimo de prazer. Se não fosse ninguém se viciaria.  Assim, primeiro Deus mandou contra as cidades do Vale do Jordão uma invasão de guerreiros vindo do leste. Esses guerreiros, chamados assírios, devastaram a maioria das cidades da região e reduziram algumas delas a cinzas. Mas Sodoma sobreviveu, principalmente por que havia muitos hebreus, do grupo de Lot, vivendo nela.  Por causa deles Abraão entrou na briga e ajudou os sodomitas a expulsar os assírios, salvando assim, a cidade.
Mas mesmo assim, os caras daquela cidade não se emendaram. Então Deus mandou dois anjos, segundo diz a Bíblia, lindos rapazes, irem à casa de Lot e avisar a ele para sair de Sodoma com sua família, porque Ele iria destruir aquela cidade. Não deu outra. Quando os tarados sodomitas viram a beleza dos rapazes, logo resolveram fazer o serviço neles. Lot pediu e implorou aos degenerados para que deixassem os rapazes em paz, pois eles eram hóspedes dele. Ofereceu até as duas filhas, duas lindas garotas ainda virgens, no lugar deles, mas que nada. Os caras queriam mesmo era pegar os rapazes. Bem, a história diz que Deus (ou o próprio Lot, porque não esqueçamos que ele era um mago caldeu), fez os caras que tentaram invadir sua casa para pegar os rapazes ficarem cegos momentaneamente. Então, pela porta dos fundos deu fuga a eles.E com eles fugiu levando sua esposa e as duas filhas.

Com tudo isso Deus ficou mesmo uma fera e resolveu acabar com os sodomitas. Mas a promiscuidade sexual daquele povo devia mesmo causar muito prazer, porque Lot não conseguiu convencer ninguém da cidade ( nem mesmo seu próprio povo) a ir embora com ele. Isso mesmo depois de Deus prometer a Lot que perdoaria a cidade inteira se nela fosse encontrada uma única pessoa decente.
Lot procurou e não encontrou. De maneira que só ele com suas filhas e sua mulher saíram de Sodoma antes de Deus mandar contra ela uma chuva de fogo e enxofre (ou um terremoto, com liberação de gases tóxicos e inflamáveis) que arrasou toda a planície em volta, transformando-a na região inóspita e desértica que é até hoje. Essa região, na época era conhecida como Vale do Betume, pois ali havia muitos poços de betume, sinal da presença do petróleo, que é hoje a grande riqueza da região. Essa, aliás, é uma boa explicação para o que aconteceu a Sodoma e Gomorra. Pelo menos contenta as mentalidades céticas, que precisam por racionalidade em tudo.
Mas ninguém sabe o que realmente aconteceu lá. Há até quem diga que as cidades do Mar Morto foram, na verdade,destruídas por uma explosão nuclear, provocada quiçá, por exploradores extra terrestres. Daniken, Pawels-Bergier e outros adeptos dos deuses astronautas aventam essa possibilidade. Houve gente que andou procurando sinais de radiação por aquelas bandas, mas nunca se achou nada.
Aliás, nem ruínas, nem sinais de que um dia tal civilização tenha existido foram encontradas, o que levou outros historiadores a duvidar da veracidade das histórias da Bíblia. Mas Flávio Josefo diz que no seu tempo (século I da era cristã), a estátua de sal em que a mulher de Lot se converteu quando olhou para traz para ver a chuva de fogo e enxofre que consumia as cidades gêmeas de Sodoma e Gomorra, ainda estava lá.

Seja qual for a verdadeira história que está por traz disso, o fato é que Lot escapou da destruição só com suas duas filhas. Sua mulher, que não era hebreía, mas sim de Sodoma, não acreditou que o Deus hebreu fosse capaz de destruir as duas cidades daquele jeito. E Ele havia advertido Lot e sua família para não olharem para trás. A mulher de Lot olhor e virou estátua de sal.
As filhas de Lot eram duas garotas virgens, na flor da idade. Não havia nenhum homem nas redondezas além do já quase velho papai. E pior: parecia que Deus tinha destruído a humanidade toda, só deixando vivos os três. Que maçada. Claro que isso não tinha acontecido, mas naquele tempo não havia as facilidades de comunicação que temos hoje. E a devastação no Vale do Jordão foi tão grande que a impressão que se tinha era a de que o mundo inteiro tinha sido consumido por aquele cataclismo.
Talvez não houvesse mais nenhum homem no mundo, pensaram as filhas de Lot.. Elas iam morrer virgens e sem filhos. Bom, elas não haviam morado tanto tempo em Sodoma á toa. Afinal, se os sodomitas faziam o que faziam, porque elas não podiam? A culpa, se culpa houvesse, seria de Deus, que não deixou nenhum homem vivo sobre a face da terra. Elas não tinham noção de geografia, não sabiam o quão grande era o mundo e que a catástrofe só tinha ocorrido no Vale do Betume.
Então o que fizeram as danadinhas? Pegaram o pai mesmo. Deram uma fogueira no velho e transaram com ele. Deve ser daí que nasceu o velho ditado que diz que negócio de bêbado não tem dono. O fato é que as duas filhas de Lot engravidaram e tiveram, cada uma, um filho com o próprio pai. Um deles se chamou Amon, que deu origem ao povo amonita, e o outro se chamou Moab, que deu origem ao povo moabita.

Essa é uma história meio sórdida, mas ela está na Bíblia e foi recontada com uma certa malícia por Flávio Josefo. Mas eu suspeito que nela há uma grande manipulação política dos rabinos israelenses, que aliás, são mestres em fazer isso. Pois Moabitas e Amonitas sempre foram inimigos de Israel. Até hoje são, nas pessoas dos seus descendentes, os palestinos. A briga entre esses povos é milenar. Que melhor forma há para degradar seus inimigos do que dizer que eles são frutos de incesto? Que sua origem é promiscua? Que eles são filhos do pecado?
As Filhas de Lot, na verdade, são um arquétipo, como a maioria das personagens descritas nos livros sagrados de todos os povos. Praticamente todos os povos antigos tem histórias desse tipo. Os deuses gregos eram extremamente promíscuos. Pais pegavam as filhas, irmão dormia com irmã, e por aí afora. Os egípcios também. Ísis, por exemplo, era irmã de Osíris. Os faraós se casavam, de preferência, com suas irmãs, para conservar o trono na própria família. Édipo matou o pai e dormiu com a própria mãe, Zeus, o pai dos deuses, pegava todas, não imporando se eram parentes ou não, e aí por diante. 
Essas metáforas remontam à origem dos nossos desejos e se referem à luta que se trava dentro do nosso inconsciente para separar o bem do mal, a ética da desordem, a moral da degradação, o instinto animal da consciência de humanidade, que acompanha todo processo civilizatório. É a luta da consciência humana para botar ordem no caos.
A verdade é que Abraão, com a descoberta da noção do Deus único, também deu nascimento ás noções de Ética e Moral, como componentes necessários ao desenvolvimento de uma civilização sadia. Assim, o embate entre o povo de Israel e os seus vizinhos, tal como nos conta a Bíblia, é a história dessa luta entre os nossos instintos mais primitivos e a nascente consciência que há uma distinção entre homens e animais, pois o homem, ao crer num Deus único, e a necessidade de respeitá-lo, honrá-lo e temê-lo, terá que, obrigatoriamente, aprender a controlar os seus instintos mais primitivos.
Afora a mensagem nitidamente política que o episódio carrega( os israelitas são puros, éticos, morais, civilizados e seus vizinhos não), a história de Sodoma e Gomorra e das Filhas de Lot é uma rica metáfora que nos leva a refletir. Será que, passados tantos séculos, nós já conseguimos superar o complexo das Filhas de Lot? Ao ver a realidade dos nossos dias, com tantos abusos dessa ordem , me parece que falta ainda um longo caminho para essa sublimação. Quantos séculos ainda iremos levar para isso e quantas intervenções divinas ainda serão necessárias para que possamos dominar essa inata perversão moral que a nossa origem animal nos legou? Só Deus sabe. Será que Sodoma e Gomorra foram mesmo destruídas, ou elas ainda sobrevivem nas ruínas do nosso inconsciente, inspirando tantos comportamentos aberrantes, como os que a mídia anuncia todos os dias?
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 12/02/2011
Reeditado em 12/06/2019
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