INFÂNCIA - Surpresa na escola
- É uma mochila! Nossa! - vibrava com toda energia possível contida naquele minúsculo corpo de mil quatrocentos e sessenta dias de vida. Ganhei da minha mãe uma mochila verde-oliva. Estava na prateleira do estabelecimento de minha família, mas ninguém quis saber de comprar.
Faltavam ainda dois anos para a pré-escola, mas com aquele presente nas costas me sentia igual o adolescente da novela das sete, que mascava chiclete, usava bandana e calçava all star cano baixo. Fui até o balcão do bazar. Peguei estojo, lápis, régua, caneta, linha de anzol, borracha, durex, dedais, caneca, caminhãozinho, saca-rolha e pus tudo na mochila. Como não sabia direito o que se usava na escola, para estudar, incluí algumas peças que podiam ser úteis, para evitar imprevistos.
Fui a pé até a escola. Devia ser umas dez da manhã. Estava saltitando e cantava música do Balão Mágico. As pessoas me olhavam intrigadas, não sei se por estar portando mochila bem maior do que a apropriada para o meu tamanho ou por estar descalço. Talvez o fato de estar sujo também pudesse ser motivo para o espanto delas. Minutos antes de ganhar a mochila, eu brincava na terra, fazendo castelos e bolinhos de lama.
Atravessei a praça e fui até a escola que eu passava sempre enfrente. Até então, aquela era a única que eu conhecia. Ficava no meio da praça. Na verdade era uma edificação com uma sala apenas. Anos mais tarde descobri outras escolas bem grandes, com várias classes. Como de costume, a porta estava aberta e os alunos, bem mais velhos que eu, todos sentados às carteiras, com olhar fixo na professora. Ou no quadro negro. Eu caminhava sempre por ali, acompanhado da empregada, quando íamos à padaria. Ao passar enfrente a porta aberta da sala, atrapalhava a atenção de dois ou três alunos de forma peculiar: fazia barulho de peido com a boca e mostrava a língua para eles em seguida.
Mas daquela vez, quando cheguei à porta, não foram dois nem três os que olharam para mim, mas TODOS. A professora parou a explicação e, como boba, olhou também para aquele garotinho cabeludo, miúdo, descalço, com a mochila nas costas.
"Que bonitinho! Você veio estudar com a gente, mocinho?". A turma gargalhou alto. Eu murchei as bochechas e fui embora.
Chegando em casa, guardei a mochila no guarda-roupas e peguei a bola de capotão, querendo ir ao campinho jogar. Minha mãe bronqueou.
- Onde é que você estava, Gabriel? - eu tinha sumido de casa. Não era à toa ela estar vermelha e quente como uma jurupica.
- Fui "na escolhinha". - expliquei, quicando a bola. A cara de brava deu lugar à cara de espanto.
- Você foi À ESCOLA?!
- É, mas não fiquei. Tava muito chato lá.