A mesma roupa



Ela sempre foi audaciosa, desde criança. Queria o que outros nem ligavam e não desejava o que muitos queriam a qualquer custo.
Fabíola era seu nome, escolhido pelo pai e incontestavelmente aceito, porque tinha que ser assim. Eram, os dois muito parecidos. Onde será que ele ouviu, ninguém sabe; ler, não leu. Era analfabeto, simples, morava na roça e tinha uma carroça, onde carregava "de tudo, dona moça” que lhe pediam, por algum "real”.
Mas vamos voltar à Fabíola, porque a estória é dela.
- Sobe na carroça, menina!
- Não quero, vou me sujar de areia (ou fosse o que estivesse lá em cima) e lá ia, pernas lindas, bem feitas, pés pequenos, cabelos crespos, cor escura lábios bem feitos, olhos de jabuticaba. O dia esperado chegou: ir para a escola e tinha que ser levada de carroça – sem nada dentro – ela dizia e o pai concordava, afinal era só uma hora para ir, outra para voltar, tinha o resto do dia.
Fabíola era o desafio da professora. Como livrar-me das perguntas dessa menina meu Deus? Pensava ela. Uma vez ela perguntou: - Professora, quando Jesus multiplicou os peixes, eles apareceram cru ou assados? Daí dá para perceber a vivacidade da menina.
Crescendo, foi vendo TV e revistas, porque todos têm acesso a elas, ainda que, olhando nas bancas penduradas, com a colunável do mês na capa ou a modelo mais charmosa, seja com roupa (ou pelada nas páginas centrais) que ela não via. E acordou, o sonho: desfilar com roupa bonita, a que ela escolhesse. O tempo passou ou ela passou a mudar e crescer. Rick foi o nome que ele disse quando a amiga o apresentou.
- Nome e homem lindo, sussurrou Fabíola.
- É, e ainda é estilista e marchand famoso. Você não gostaria de desfilar? Ele gostou muito de você. Vou marcar um encontro para se conhecerem melhor
Sempre encontramos na estrada da vida amigas e Amigas. Discernir entre uma e outra, geralmente a gente só consegue depois do caldo entornado, da ferida feita, a amizade defraudada como roupa mal lavada em varal. Esta conhecia o Rick muito bem e era amiga de Fabíola.
- E aí Fabíola, está certa do que quer? Deseja mesmo se modelo e ir para o Japão?
- Claro! Já tenho o Fundamental. Queria fazer Arquitetura e Designer de Ambientes ou Paisagismo, mas posso fazer depois, não?
- Sim; depois que cumprir o contrato de três anos que assinaremos, minha empresa e você. E só pode vir em casa depois de 18 meses, como está pautado no contrato; fica avisada!
Terceira guerra na pequena cidade. Pai, mãe, irmã ressentida e seis irmãos. No centro do campo de guerra, perto das trincheiras inimigas, Fabíola. Discussão na igreja protestante com metade da família e na igreja católica com a outra metade. Ganhou a vontade de Fabíola, que saiu de casa em uma madrugada calorenta, pés descalços como gostava de andar e para evitar barulho; coração mexendo como bunda de funkeira.
– Esta roupa horrorosa jamais vais usar, disse o empresário. Nunca mais quero ter ver com ela. Joga fora depois, certo? Assentiu.
Inês é morta no outro dia. Nada a fazer, a não ser esperar notícias, afinal, vamos confiar no rapaz que parece ser boa gente e em Fabíola que é uma menina - sim, menina, com 18 anos – ajuizada e coerente com seus sonhos, diziam.
Telefonemas; estou bem, mãe; deixa completar um ano e meio e vou visitar vocês, foi o acordo.
- Se cuida filha, se cuida Fabíola. Lembra do que te ensinamos e do que disse o padre e o pastor.
Dois anos depois, está na TV, nos jornais, nas revistas, programas brasileiros convidam o amigo do amigo do primo do Rick que não era Rick, para entrevista ao vivo: Jovens estrangeiras presas como traficantes, empregadas do grande chefe do tráfico na cidade de Jwmchi, no Japão. Apenas uma foi dedurada pelas outras e não foi encontrada. A brasileira Fabíola, estava com passaporte e passagem comprada para, conforme pautava o contrato, após 18 meses poder voltar ao Brasil para ver os pais. E foi isto que ela providenciou, rapidinho.
Chegada da menina que não subia em carroça para não se sujar, limpa como sempre foi. Cidade em festa e mulheres a fofocar: Com a mesma roupa?
Conseguiu com sua esperteza, ser de Rick, a “olheira” das outras e nunca traficou. Só guardou a “roupa horrorosa” que agora vestia para fugir, e  os dólares recebidos durante um ano e meio.
Como estava pautado no contrato.
 

 
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Conto fictício inspirado na foto do amigo Paulo Fragoso, publicada com sua autorização, a qual muito agradeço.