UM DIA DE FÚRIA
Sinopse
Para quem assistiu e se lembra desse título ele se refere a um filme dos anos noventa, com Michael Douglas no papel de um indivíduo extremamente estressado, que havia perdido a família, o emprego, os amigos, a auto-estima e qualquer crença de que a vida ainda lhe podia trazer algum tipo de alegria. Então ele fica preso num congestionamento, com um monte de gente xingando, reclamando, buzinando, e de repente ele resolve que não agüenta mais tudo isso. Então larga o carro e resolve ir a pé para casa. No caminho vai encontrando gente tão ou mais estressada que ele, e aí ele pira. Conflitos raciais e pessoas excluídas da sociedade cruzam seu caminho. Marginais e drogados cobram dele suas partes pela exclusão e infelicidade. E ele se dá conta que não é diferente de nenhum deles. Daí, de repente ele também está arrebentando cabeças, quebrando vitrines, batendo nas pessoas e se tornando, ele mesmo um perigo para a sociedade.
*****
Quem nunca teve motivos para um dia de fúria? Eu experimentei os meus alguns dias atrás. Vinha vindo de São Paulo, saindo de uma reunião que tive ali pelos lados da Avenida Paulista. Levei exatamente uma hora e meia para conseguir chegar até á Marginal do Tietê.
Eu moro em Mogi das Cruzes. Com um trânsito normal eu demoraria esse tempo para fazer o trajeto da Avenida Paulista até Mogi, mas em dias como esse, fazer essa viagem em três horas já é uma boa pedida.
O problema é que começou a chover forte enquanto eu estava ainda na Paulista. Quando cheguei na Marginal, o rio Tietê já havia transbordado. Todas as pistas da Marginal estavam alagadas. Consegui avançar até a Ponte das Bandeiras. Era umas dez horas da noite quando cheguei lá e registrei onze horas da noite quando olhei para o relógio pela ultima vez. Tudo travado. Ninguém passava. Os corajosos que tentavam enfrentar a enchente ficavam no meio do caminho. Não dava para ir para frente nem para traz. Nem para os lados.
Eu já estava conformado em ter que passar a noite no carro. Liguei para a minha mulher para explicar por que eu não ia passar aquela noite em casa. E a chuva continuava a cair, com uma fúria avassaladora.
Na minha frente havia um ônibus da Viação Cometa. Ele estava indo para o Rio de Janeiro. De repente ele fez uma manobra meio esquisita e atravessou o canteiro à sua direita. Saiu numa mais ruazinha lateral e andou uns vinte metros de marcha a ré na contramão. Todo mundo gritou e xingou, mas saiu da frente. Não dava para encarar um bichão daquele tamanho. Não sei porque cargas dágua, quando ele fez aquela manobra louca eu sai na cola dele. O ônibus invadiu uma pracinha que havia ali por perto e entrou numa ruazinha lateral. Até hoje não entendo como ele conseguiu trafegar por aquela viela tão estreita. Mas aí ele se mandou por ruas e avenidas que eu nunca passei na vida. Ele ia na frente, eu atrás dele. Eu só pensava no seguinte: esse ônibus está indo para o Rio. Mogi fica no caminho para o Rio, logo, se ele conseguir achar caminho para o Rio eu também acho para Mogi, que é muito mais perto.
E assim fomos nós, por vielas e ruas que eu nunca havia visto na vida. Saímos lá pelos lados de Santana, entramos em algum lugar do Jacanã e de repente estávamos entrando em algum lugar em Guarulhos.
Só me lembro que saímos lá perto do Aeroporto de Cumbica. A chuva não havia parado. Pegamos uma estradinha de terra que nos levou até a Via Dutra. Daí foi fácil achar o caminho para casa.
Cheguei em casa ali pelas três horas da manhã. Meus nervos estavam à flor da pele. Jamais passara por aventura semelhante áquela, em que senti que a minha própria vida estava em perigo.
Habitualmente já sou meio notívago. Costumo dormir muito tarde. Nessa noite foi pior ainda. Eu sentia que ia ser difícil pegar no sono com aquele estresse acumulado em meus nervos. Tomei um banho, pequei uma dose de uísque e liguei a televisão. “ Vou relaxar um pouco” pensei. Procurei um dos canais de filmes, pois nessa avançada hora da noite, só mesmo uma boa fantasia poderia me acalmar.
E o que entrou no écram da mina TV? Dou um prêmio para quem adivinhar. Pois foi justamente o Michael Douglas pirado, quebrando lojas de coreanos, arrebentando cabeças de drogados no parque, destruindo tudo que encontrava pela frente, aterrorizando a própria família e os amigos, e fazendo a polícia pensar que ele era um louco furioso que representava um perigo que precisava ser eliminado a qualquer custo.
E ele foi. Acabou morto por um policial depois de uma caçada frenética e digna das melhores e mais sórdidas histórias que a nossa maluca sociedade já produziu.
Um Dia de Fúria é um dos filmes mais emblemáticos que eu já vi. Nessa noite de angústia e estresse em que fiquei preso na enchente da Marginal eu percebi que o véu que separa a razão da loucura é tão tênue quanto a película que envolve uma bolha de sabão. Basta um sopro, uma ponta de alfinete, que pode ser uma palavra, um gesto, um mero olhar de reprovação ou desdém, e eis o estresse acumulado da civilização explodindo em nossos nervos, nos transformado em psicopatas assassinos.
Nessa noite não vi o filme até o fim porque já o havia assistido antes e sabia o que acontecia no final. Também não terminei o meu uísque. Ao invés fui para o escuro do meu quarto e fiquei ouvindo durante alguns minutos o ressonar tranqüilo da minha esposa que dormia.
Dei graças a Deus por ter uma casa e gente que me amava e me esperava nela. Agradeci também por ter um elástico cerebral com capacidade de dilatação além da média. Não sou muito de rezar, mas nesse dia me lembro de ter feito uma oração bem longa.
Graças a Deus o meu dia de fúria ainda não chegou
Sinopse
Para quem assistiu e se lembra desse título ele se refere a um filme dos anos noventa, com Michael Douglas no papel de um indivíduo extremamente estressado, que havia perdido a família, o emprego, os amigos, a auto-estima e qualquer crença de que a vida ainda lhe podia trazer algum tipo de alegria. Então ele fica preso num congestionamento, com um monte de gente xingando, reclamando, buzinando, e de repente ele resolve que não agüenta mais tudo isso. Então larga o carro e resolve ir a pé para casa. No caminho vai encontrando gente tão ou mais estressada que ele, e aí ele pira. Conflitos raciais e pessoas excluídas da sociedade cruzam seu caminho. Marginais e drogados cobram dele suas partes pela exclusão e infelicidade. E ele se dá conta que não é diferente de nenhum deles. Daí, de repente ele também está arrebentando cabeças, quebrando vitrines, batendo nas pessoas e se tornando, ele mesmo um perigo para a sociedade.
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Quem nunca teve motivos para um dia de fúria? Eu experimentei os meus alguns dias atrás. Vinha vindo de São Paulo, saindo de uma reunião que tive ali pelos lados da Avenida Paulista. Levei exatamente uma hora e meia para conseguir chegar até á Marginal do Tietê.
Eu moro em Mogi das Cruzes. Com um trânsito normal eu demoraria esse tempo para fazer o trajeto da Avenida Paulista até Mogi, mas em dias como esse, fazer essa viagem em três horas já é uma boa pedida.
O problema é que começou a chover forte enquanto eu estava ainda na Paulista. Quando cheguei na Marginal, o rio Tietê já havia transbordado. Todas as pistas da Marginal estavam alagadas. Consegui avançar até a Ponte das Bandeiras. Era umas dez horas da noite quando cheguei lá e registrei onze horas da noite quando olhei para o relógio pela ultima vez. Tudo travado. Ninguém passava. Os corajosos que tentavam enfrentar a enchente ficavam no meio do caminho. Não dava para ir para frente nem para traz. Nem para os lados.
Eu já estava conformado em ter que passar a noite no carro. Liguei para a minha mulher para explicar por que eu não ia passar aquela noite em casa. E a chuva continuava a cair, com uma fúria avassaladora.
Na minha frente havia um ônibus da Viação Cometa. Ele estava indo para o Rio de Janeiro. De repente ele fez uma manobra meio esquisita e atravessou o canteiro à sua direita. Saiu numa mais ruazinha lateral e andou uns vinte metros de marcha a ré na contramão. Todo mundo gritou e xingou, mas saiu da frente. Não dava para encarar um bichão daquele tamanho. Não sei porque cargas dágua, quando ele fez aquela manobra louca eu sai na cola dele. O ônibus invadiu uma pracinha que havia ali por perto e entrou numa ruazinha lateral. Até hoje não entendo como ele conseguiu trafegar por aquela viela tão estreita. Mas aí ele se mandou por ruas e avenidas que eu nunca passei na vida. Ele ia na frente, eu atrás dele. Eu só pensava no seguinte: esse ônibus está indo para o Rio. Mogi fica no caminho para o Rio, logo, se ele conseguir achar caminho para o Rio eu também acho para Mogi, que é muito mais perto.
E assim fomos nós, por vielas e ruas que eu nunca havia visto na vida. Saímos lá pelos lados de Santana, entramos em algum lugar do Jacanã e de repente estávamos entrando em algum lugar em Guarulhos.
Só me lembro que saímos lá perto do Aeroporto de Cumbica. A chuva não havia parado. Pegamos uma estradinha de terra que nos levou até a Via Dutra. Daí foi fácil achar o caminho para casa.
Cheguei em casa ali pelas três horas da manhã. Meus nervos estavam à flor da pele. Jamais passara por aventura semelhante áquela, em que senti que a minha própria vida estava em perigo.
Habitualmente já sou meio notívago. Costumo dormir muito tarde. Nessa noite foi pior ainda. Eu sentia que ia ser difícil pegar no sono com aquele estresse acumulado em meus nervos. Tomei um banho, pequei uma dose de uísque e liguei a televisão. “ Vou relaxar um pouco” pensei. Procurei um dos canais de filmes, pois nessa avançada hora da noite, só mesmo uma boa fantasia poderia me acalmar.
E o que entrou no écram da mina TV? Dou um prêmio para quem adivinhar. Pois foi justamente o Michael Douglas pirado, quebrando lojas de coreanos, arrebentando cabeças de drogados no parque, destruindo tudo que encontrava pela frente, aterrorizando a própria família e os amigos, e fazendo a polícia pensar que ele era um louco furioso que representava um perigo que precisava ser eliminado a qualquer custo.
E ele foi. Acabou morto por um policial depois de uma caçada frenética e digna das melhores e mais sórdidas histórias que a nossa maluca sociedade já produziu.
Um Dia de Fúria é um dos filmes mais emblemáticos que eu já vi. Nessa noite de angústia e estresse em que fiquei preso na enchente da Marginal eu percebi que o véu que separa a razão da loucura é tão tênue quanto a película que envolve uma bolha de sabão. Basta um sopro, uma ponta de alfinete, que pode ser uma palavra, um gesto, um mero olhar de reprovação ou desdém, e eis o estresse acumulado da civilização explodindo em nossos nervos, nos transformado em psicopatas assassinos.
Nessa noite não vi o filme até o fim porque já o havia assistido antes e sabia o que acontecia no final. Também não terminei o meu uísque. Ao invés fui para o escuro do meu quarto e fiquei ouvindo durante alguns minutos o ressonar tranqüilo da minha esposa que dormia.
Dei graças a Deus por ter uma casa e gente que me amava e me esperava nela. Agradeci também por ter um elástico cerebral com capacidade de dilatação além da média. Não sou muito de rezar, mas nesse dia me lembro de ter feito uma oração bem longa.
Graças a Deus o meu dia de fúria ainda não chegou