INFÂNCIA - Leitoa com recheio de leite condensado
- Tio, dá uma leitoa? - o homem da barraquinha de doces, que usava boné e jaleco brancos olha surpreso para mim.
- Leitoa? Não tem leitoa aqui não, garoto - meus olhos correram cada um dos produtos à mostra: pirulitos de chocolate, espetos de morango caramelizado, maçã do amor e, finalmente, aquele doce que mais parecia um salsichão empanado com listras.
- Ali, ó! Aquele ali! Olha a leitoa ali! - indiquei com o dedo, com pontaria de caçador.
- Mas isso não é leitoa, meu filho. Leitoa você só vai conseguir comprar lá no barracão principal da festa.
- É leitoa sim, tio! Eu como sempre!
- Tá bom. A gente chama este doce aqui de "churros". Quantos você quer?
- Duas leitoas. - o homem acenou negativamente, com cara de quem desiste.
- São quatro cruzeiros.
Eu devia ter uns cinco anos. E foi só mais tarde, já na época em que sabia ler, que via "churros" escrito nas barracas e carrinhos, em letra grande. Nunca "leitoa".
No barracão da festa escutava a poderosa voz do leiloeiro anunciando "leitoa inteira", "meia leitoa". Em seguida, entregava uma bandeja com porquinho assado para quem comprava.
E pensei fundo, largo, frio, quente, distante, para me lembrar quando foi que escutei pela primeira vez alguém falar sobre "leitoa". Vi na parede a cena: Gabrielzinho bagunçando na praça, trajando short vermelho, camiseta branca e sandálias. Franja loira coçando no olho. Parei para descansar um pouco. Sentei no banco ao lado da minha mãe, que tomava sorvete de nata. "Depois nós vamos comer leitoa", disse ela. Algumas horas depois, na festa, ela comprou para mim um doce daquele empanado com recheio de doce de leite. Não consegui recordar se havia comido ou não carne de porco naquele dia, então associei o nome "leitoa" ao doce.
Hoje, calçando tênis no lugar das sandálias e de cabelo raspado com entradas no lugar da franja, costumo ir à barraquinha de churros e pedir: "quero uma leitoa". Diante da cara de surpresa de quem me atende, ao invés de contar a história inteira, sorrio e simplifico: "tô brincando. Quero churros!".