NÓS
Quando nós recebemos o bilhete, tínhamos encerrado a primeira aula da manhã. Os alunos foram para o intervalo. Não sabemos por que, mas nossas mãos tremiam, como se já soubéssemos o que estava escrito. Nós já desconfiávamos do que estava acontecendo, só não queríamos ter a certeza, viver nos enganando. No papel, apenas quatro palavras escritas, com uma caligrafia familiar: “Sua mulher lhe trai!”
Nós a amamos desde a primeira vez que a vimos, mas sabíamos que havia alguma coisa errada. Um sentimento de amor e de desconfiança surgiu ao mesmo tempo. Era tudo muito confuso. Queríamos nos aproximar dela mas, ao mesmo, tempo fugir.
O namoro foi se desenvolvendo entre discussões intermináveis e cenas de paixão incontrolável. Ela parecia gostar desse nosso jeito, sempre diferente a cada dia, imprevisíveis a cada encontro.
Nossa sogra tornou-se um inconveniente. Acusava-nos, pelas costas, de não ter caráter, de não sermos confiáveis, queria que a filha acabasse o relacionamento. Mas ela era teimosa, não queria dar o braço a torcer e estava louca para sair de casa.
Casamos e os conflitos continuaram. Nunca tivemos filhos, o maior desejo dela, porque uma parte de nós desejava e outra parte temia. E se fosse menino, e herdasse essa nossa personalidade conflituosa? E se fosse uma menina, e não soubéssemos como lidar com ela?
Quando ela começou a trabalhar foi pior ainda. Por que nós sabíamos que é impossível uma mulher se realizar passando os dias dentro de casa, mas que também nunca mais nós teríamos certeza de onde ela estava, com quem estava, o que estaria fazendo.
Nós a amávamos, mas tanto, tanto que não queríamos dividi-la com ninguém! Depois de um ano e meio ela decidiu se separar. Nós não concordamos. Era impossível vivermos sem ela. Discutimos, brigamos. Nós nos jogamos aos seus pés, choramos, imploramos. Ela, irredutível. Então, pegamos o revólver, ameaçamos: “Se você for embora vai acontecer uma tragédia”. Ela ficou em pânico. Desistiu. Mas nunca mais foi a mesma mulher. Não nos tratava mais com carinho, mas com temor.
Ela ficou. E nós começamos a desconfiar dos seus motivos. Por que ela teria mudado de idéia tão repentinamente? Mais alguns meses depois, já tínhamos certeza: ela arranjara um amante! Só isso, só assim, poderia ela estar suportando viver conosco, nos suportar. Com certeza ela estava se consolando nos braços de outro homem!
Passamos a vigiá-la, olhar suas anotações, sua agenda, remexer sua bolsa, conferir as ligações no celular, a conta telefônica. Mas ela era muito esperta, não deixava pistas. Nunca conseguimos uma prova, sequer.
Nós odiávamos todas as suas amigas. Principalmente as solteiras e as separadas que, com certeza, ficavam colocando idéias erradas na sua cabeça. Talvez, até arranjando amantes e esconderijos para ela.
Uma prova, apenas uma prova, era tudo o que nós precisávamos. E ela veio, naquele dia. Os alunos terminavam suas tarefas, nós estávamos escrevendo alguma coisa, enquanto esperávamos. Levantamos para apagar o quadro negro e, quando voltamos para a carteira, o papel estava lá: “Sua mulher lhe trai!”, com aquela caligrafia familiar. Era alguém que nos conhecia, com certeza. Talvez, um daqueles alunos, nossos vizinhos.
Levantamos, aturdidos, e fomos para casa. Quando ela chegou, mais tarde, com um frescor incomum para quem vinha da rua, não pode esconder a surpresa de nos ver em casa àquela hora.
Perguntamos aonde ela fora. Pro trabalho, como sempre, respondeu. Mentira!, nós gritamos, você estava com ele! Ela disse que não estava entendendo, que eu a respeitasse, que ela era uma mulher decente. Infeliz, mas decente. Você está nos chamando de indecente? Não foi isso que eu disse, ela respondeu. Você parece que está com problemas. Por que não procura um psicólogo? Tá nos chamando de maluco?, perguntamos. Nós quem? Você perdeu o juízo?
Acho que foi nessa hora que perdemos, mesmo. Fomos até o quarto, abrimos a gaveta do criado-mudo, apanhamos o revólver e demos dois tiros nela. Um na cabeça, outro no coração. Um por cada um. Nós a matamos, doutor, nós a matamos. E não merecemos perdão.
Quando nós recebemos o bilhete, tínhamos encerrado a primeira aula da manhã. Os alunos foram para o intervalo. Não sabemos por que, mas nossas mãos tremiam, como se já soubéssemos o que estava escrito. Nós já desconfiávamos do que estava acontecendo, só não queríamos ter a certeza, viver nos enganando. No papel, apenas quatro palavras escritas, com uma caligrafia familiar: “Sua mulher lhe trai!”
Nós a amamos desde a primeira vez que a vimos, mas sabíamos que havia alguma coisa errada. Um sentimento de amor e de desconfiança surgiu ao mesmo tempo. Era tudo muito confuso. Queríamos nos aproximar dela mas, ao mesmo, tempo fugir.
O namoro foi se desenvolvendo entre discussões intermináveis e cenas de paixão incontrolável. Ela parecia gostar desse nosso jeito, sempre diferente a cada dia, imprevisíveis a cada encontro.
Nossa sogra tornou-se um inconveniente. Acusava-nos, pelas costas, de não ter caráter, de não sermos confiáveis, queria que a filha acabasse o relacionamento. Mas ela era teimosa, não queria dar o braço a torcer e estava louca para sair de casa.
Casamos e os conflitos continuaram. Nunca tivemos filhos, o maior desejo dela, porque uma parte de nós desejava e outra parte temia. E se fosse menino, e herdasse essa nossa personalidade conflituosa? E se fosse uma menina, e não soubéssemos como lidar com ela?
Quando ela começou a trabalhar foi pior ainda. Por que nós sabíamos que é impossível uma mulher se realizar passando os dias dentro de casa, mas que também nunca mais nós teríamos certeza de onde ela estava, com quem estava, o que estaria fazendo.
Nós a amávamos, mas tanto, tanto que não queríamos dividi-la com ninguém! Depois de um ano e meio ela decidiu se separar. Nós não concordamos. Era impossível vivermos sem ela. Discutimos, brigamos. Nós nos jogamos aos seus pés, choramos, imploramos. Ela, irredutível. Então, pegamos o revólver, ameaçamos: “Se você for embora vai acontecer uma tragédia”. Ela ficou em pânico. Desistiu. Mas nunca mais foi a mesma mulher. Não nos tratava mais com carinho, mas com temor.
Ela ficou. E nós começamos a desconfiar dos seus motivos. Por que ela teria mudado de idéia tão repentinamente? Mais alguns meses depois, já tínhamos certeza: ela arranjara um amante! Só isso, só assim, poderia ela estar suportando viver conosco, nos suportar. Com certeza ela estava se consolando nos braços de outro homem!
Passamos a vigiá-la, olhar suas anotações, sua agenda, remexer sua bolsa, conferir as ligações no celular, a conta telefônica. Mas ela era muito esperta, não deixava pistas. Nunca conseguimos uma prova, sequer.
Nós odiávamos todas as suas amigas. Principalmente as solteiras e as separadas que, com certeza, ficavam colocando idéias erradas na sua cabeça. Talvez, até arranjando amantes e esconderijos para ela.
Uma prova, apenas uma prova, era tudo o que nós precisávamos. E ela veio, naquele dia. Os alunos terminavam suas tarefas, nós estávamos escrevendo alguma coisa, enquanto esperávamos. Levantamos para apagar o quadro negro e, quando voltamos para a carteira, o papel estava lá: “Sua mulher lhe trai!”, com aquela caligrafia familiar. Era alguém que nos conhecia, com certeza. Talvez, um daqueles alunos, nossos vizinhos.
Levantamos, aturdidos, e fomos para casa. Quando ela chegou, mais tarde, com um frescor incomum para quem vinha da rua, não pode esconder a surpresa de nos ver em casa àquela hora.
Perguntamos aonde ela fora. Pro trabalho, como sempre, respondeu. Mentira!, nós gritamos, você estava com ele! Ela disse que não estava entendendo, que eu a respeitasse, que ela era uma mulher decente. Infeliz, mas decente. Você está nos chamando de indecente? Não foi isso que eu disse, ela respondeu. Você parece que está com problemas. Por que não procura um psicólogo? Tá nos chamando de maluco?, perguntamos. Nós quem? Você perdeu o juízo?
Acho que foi nessa hora que perdemos, mesmo. Fomos até o quarto, abrimos a gaveta do criado-mudo, apanhamos o revólver e demos dois tiros nela. Um na cabeça, outro no coração. Um por cada um. Nós a matamos, doutor, nós a matamos. E não merecemos perdão.