Tumulto
Enquanto subia as escadas, percebeu que um um pequeno tumulto se
iniciara.
Um funcionário se revoltou com a empresa e a todos, com uma arma,
ameaçava.
Ela, atrasada para o trabalho,quis pôr fim àquela situação.
O meliante, conhecido por todos daquela estação de metrô, ex-vigia, fez funcionarios e passageiros de joelhos ficarem, e ninguém poderia sair.
A moça, já muito vista por todos que ali passavam diariamente, ficou de pé e encarou o ameaçador homem, que nada aparentava de assassino.
_ Abaixe-se!-gritou ele, balançando o revólver contra a desafiante.
_ Olha, entendo sua situação, mas se chego atrasada, sou demitida. E, depois, terei que assaltar as pessoas, igual à você.
Ele, que corou a face mediante tamanha ousadia, apontou a arma em
direção aquela mulher tão chata.
- Você se acha demais né, mocinha. Todos aqui sabem que você ''dá uma de difícil'' pro Odair da lanchonete, mas ''dá mó mole'' também. Fica toda oferecida pra ele e no outro dia finge que nem o vê. Mulherzinha.
Mulherzinha é a mãe. Todos percebiam a veia saltando da pele e
deixando a garganta, daquela suposta ''heroína'' dos reféns (esta era a intenção da garota) ,seca e se tornou pálida, que conteve seus gritos de fúria e contra-ofensas. Poderia até perdoar dizer, em alto som, que ela estava se oferecendo pro sujeito, mas lhe chamar de mulherzinha, isso nunca. Sempre tivera amigos homens, isso não se pode negar. Era bonita,jovem, às vezes atraente, na maioria das vezes sem graça. Realmente muito bonita, opinião da maioria. Modesta... nem tanto.
Quis mostrar-lhe que merecia respeito, não se trata de qualquer mulher.Alguém especial, especial até demais. Tinha o poder de ouvir o
pensamento das pessoas e, numa noite, ouviu o que o Odair pensava
sobre ela. Ele estava apaixonado, ''mas ela é muito estranha'', pensava ele. Ela corou e começou a sorrir, '' ela parece fácil'', ele concluiu. A mocinha se zangou e virou o rosto, fingindo não o notar. ''Hum, nem ligo pra ti garota.'' Pensou ele, com um sotaque de paulista.
Ela voltou a cogitar sobre a situação em que se encontrava.
- Você se considera muito homem com essa arma na mão! Só assim tem a atenção das pessoas.
Proferir palavras que fossem enviadas como estacas ao coração era sua melhor habilidade. Ela queria mostrar aos presentes, o quanto era rude, e fingia não se importar com a indiferença das pessoas.
O bandido queria apenas cumprir seu papel na história, mas ela veio questioná-lo. Era para ser algo rápido, brigar e sair, mas estava se
complicando. Essa garota a surpreendê-lo, não podia deixá-la se impor, mas teve um desejo de poder dominá-la, mostrar-le o quanto era homem. ''Queria dar-lhe uma lição.''
A moça-bonita-modesta-desafiante, ouviu um dos pensamentos do vigia e ficou revoltada.
- Como podem pensar em sexo o tempo todo?Homens! Sempre tão
previsíveis.
- Se revolta com o Odair, que te trocou pela ruiva. - deu de ombros o assaltante.
Aquela frase foi, segundo as leis dos direitos privados da vida de cada um, crime condenado prisão perpétua. Poxa, não se fala assim, as mulheres magoam facilmente.
- Seu mexeriqueiro, fale do que lhe diz respeito. O que você pode saber a respeito dasmulheres? Aposto que pouco as conhece pessoalmente. Sempre ouvindo falar... -Provocou, furiosa por se sentir tão envergonhada.
Os reféns se acomodaram e, sem notar a oportunidade de fuga,
assistiam à discussão entre duas criaturas tão estranhas que deveriam não existir.
- Não podes negar que ,vocês mulheres sejam ignorantes! Sabem que o cara fica com toda mulher que olha, mas sentem-se rainhas, com o
sujeito ao lado. Camaradas como eu, pra casar, trabalhamos feito
condenados e nem o olhar duma mulher bonita recebe... muito menos o acerto contratual... - voltando ao motivo de sua revolta, disse triste e calmamente o criminoso.
- E vocês não podem negar que não vivem sem nós mulheres, e são
loucos por nosso cheirinho.... -deixou-se dominar por pensamentos
pecaminosos, mas voltou ao que dizia, constrangida - ... e sempre
mentem.
Parecia uma briga entre marido e mulher. Por quê Deus faria algo assim? O quê o destino preparou para aquela platéia, entusiasmada com o desfecho do assalto, que mais parecia um reality show?
- Odair, vem cá!- Ordenou o homem armado, dirigindo-se ao protagonista da discussão que à tudo ouvia- Fala que essa mulher aí te deu mole. Conta pra todo mundo que não tô mentindo.
- Conta logo pra gente ir pro trabalho meu filho, a mulher é ou não é
fácil?- sugeriu um impaciente que se candidatara à platéia.
A moça, que parecia tão robusta, repentinamente encolheu e não podia conter-se de tanta humilhação e vergonha. Sempre sonhou com o momento em que o prícipe salvaria a princesa da bruxa malvada, mas não imaginou que fosse em situação tão constrangedora. Planejava maneiras para se aproximar, mas o Odair pareceu-lhe,em todas as vezes que o via, muito distante.
Odair, que as mãos tremiam e suavam repetidamente, aproximou-se
daquela menina, cuidadoso com as palavras e perguntou o seu nome.
Mais se defendendo, ela desviou o olhar, mas voltou a fitá-lo, como a pensar na resposta. Pensou, deu um risinho no canto da boca, e
lhe disse com leveza nas palavras:
- Você quer mesmo saber?
Arrependeu-se de haver perguntado, o sangue fervia em sua face, e
queria desaparecer, a timidez lhe sufocava. A moça deteve-se, percebeu que iniciara um diálogo entre eles, forçosamente. Tentou manter o autocontrole.
Alguns curiosos que a tudo assistiam, sugeriram ao menino que a
convidasse pra sair e o tumulto seria encerrado.
Mas o loirinho se conteve, achou melhor não criar expectativas.
Enquanto pensava em responder ou não àquela pergunta instigante,a
observava, e percebia seus atributos femininos, facilmente perceptíveis.
Como em cenário cinematográfico, sirenes começaram a soar e policiais surgiram como feitos de ar, dominando o sujeito que com a arma ameaçava. A multidão assistiu a prisão e do casal se esqueceram, foi assim que o tumulto chegou ao fim.
Os dois ainda se olhavam, mas a garota, fugindo da situação, quis se
afastar:
-Tchau, foi um prazer.Seria melhor se não houvesse incidente, entende? Bom.. tchau.
- Então, tchau! - Disse ele secamente, mas com um nó na garganta que lhe causou ligeiro mal estar. Talvez estivesse mesmo apaixonado, mas a loucura daquela mulher não era suportável ao seu modo de vida.
No decorrer dos meses, ela não mais apareceu. Odair observou que ela não passava nos horários como costumeiro anterior ao tumulto.Decidiu não mais criar expectativas quanto à volta da moça.
A garota, que lastimava não haver dito seu nome, tomara a decisão de se afatar do ''rubio'' que tanto a impressionava. Pretendia voltar à vê-lo,mas o último pensamento do menino a fez mudar a idéia:'
'A ruiva é só por um tempo...''