MEDUSA
Ele a conheceu numa noite quente de fevereiro. A moça tinha o cabelo em muitas tranças, arrematadas por fitas cintilantes soltas ao vento cortante do ventilador do bar. Bastou um olhar para que fosse mortalmente atraído para aqueles encantos mortíferos de mulher-acidente. Havia no esplendor de folhetim daquela que se deleitava com a embasbacada e ingênua admiração do rapaz, o brilho enganoso e traiçoeiro das falsificações baratas, uma provocação irresistível para alguém tão inábil nas contradanças amorosas da sua curta existência de menino recém virado homem.
Olho dele em linha reta, olho dela oblíquo em avaliação estudadamente desinteressada. Mas então já era tarde, porque aquela mulher exalando sensualidade , formada nas ruas da vida, percebera a vítima como quem vê a mosca no leite. Mais um para a lista. Daí em diante ela fez dele gato e sapato. Exigiu, humilhou, deu chá de banco, e ele nem pensar em cair fora, nada disso.
Como explicar tal delírio sem apelar para uma interpretação um tanto surreal?
Feito menino fascinado por um pássaro que não se deixa prender por sua mão afoita, percorre os mais entrecortados rumos sem sequer perceber os arranhões, as feridas que vão alijando suas energias pouco a pouco. É, em uma avaliação apressada, aquele macho movido apenas pelo instinto, e que no ritual do acasalamento, cumpre somente a sua sina e acaba estropiado, mas com a missão atávica de sua natureza devidamente cumprida. Haveria algo além desse desvario de hormônios? Talvez. Mas a verdade é que ele não sabia mais de si e restava preso a um interminável delírio sumbisso de amor e perdição por esta moderna Medusa do asfalto e da boêmia.
Até ele descobrir, com uma porta na cara,
que tinha passado, irremediavelmente, à condição de pretérito perfeito, página virada e homem invisível.