A velha Margareth - parte III
Célio viu o presidente da empresa chegar ao Palácio Americano, no Centro da Cidade, acompanhado dos seus familiares. A esposa, vil e arrogante, o filho mais novo, um pré-delinqüente, a filha de quinze anos, que gostava de meninas, e o filho mais velho recém coroado senador à custa de cestas básicas em comunidades pobres.
O presidente, dono da maior empresa de cigarros da América Latina, ganharia a Medalha das Américas, por seu trabalho social e por sua influência para os jovens de todo o planeta.
Mas seus cigarros matavam, dopavam... Célio já encobrira diversos processos contra a empresa, inclusive as que envolviam as fábricas do presidente em desastres ambientais. Três deles foram particularmente desastrosos, e a culpa – e a multa -caiu sobre uma estatal qualquer. Por um salário miserável, há anos Célio varria toda a sujeira para debaixo do tapete.
No meio da noite, entre champanhe e caviar, o apresentador convidou ao palco o maior homenageado da noite.
-Recebam com uma salva de palmas este homem que representa o sonho de um futuro melhor para a nossa cidade, para o nosso país. Suba aqui presidente para receber a Medalha das Américas.
O presidente sorriu para seus familiares – e para sua mais nova amante, uma jovem atriz linda e sem talento, que coincidência ou não, acabara de se tornar protagonista da nova novela das tantas horas.
Após um discurso comovente, ele convidou seus acionistas para subirem ao palco e realizarem seus discursos.
Célio surgiu atrás dele sem ninguém prestar atenção. Entregou-lhe um pedaço de papel. O presidente leu:
-Não faça escândalos. Há um rifle com mira telescópica apontado para a cabeça do seu filho senador. Vá até o camarim desacompanhado.
O presidente olhou e jurou ter visto uma luzinha vermelha brilhando na nuca do jovem. Saiu às pressas até o camarim. Lá, encontrou um envelope com diversos documentos e fotos.
Traziam fotos e trechos de gravações das atitudes ilícitas do seu filho político, relatórios médicos que comprovavam que sua esposa era alcoólatra, e diversas provas de seus envolvimento em estelionatos, fraudes, sonegação de impostos… e o mais importante, uma carta:
“Caro senhor presidente, venho por meio desta pedir sua valiosa colaboração. Dentro de alguns minutos, um grupo de cinqüenta crianças entrará no palácio acompanhado por colaboradores da Pastoral Vida e Amor. Eles trazem consigo um documento em que o senhor doa todos os seus bens a comunidades e instituições carentes, abrindo mão de qualquer quantia, inclusive as reservadas no exterior, em seu nome. Evidente que, se tal medida não fro tomada, cópias desse envelope em suas mãos serão entregues a imprensa e as autoridades. Creio que o senhor, em seu singelo intelecto, tomará a decisão mais sábia. Certo de sua ajuda despeço-me. Ass.: Margareth.”
O presidente sentiu o estômago revirar. Voltou ao palco e viu todas aquelas crianças entre os convidados. Sua esposa e seus sócios prestes a saltarem sobre ele, e uma mulher humilde com um microfone na mão.
-Então, senhoras e senhores, nós trouxemos este documento que em o presidente assina sua doação. As crianças lhe agradecem senhor.
Estendeu o papel. O presidente, quase que podendo ouvir o rifle sendo engatilhado em algum lugar naquele palácio pronto para estourar a cabeça do senador, assinou o documento com as mãos trêmulas.
No lado de fora Célio aproximava-se de um carro. O homem ao volante lhe deu um extrato.
-O depósito foi realizado na sua conta. A senhora Margareth agradece seu esforço e sua ajuda – disse o homem chamado Augusto.
-E quanto às provas contra o presidente?
-Trato é trato. A senhora Margareth é justa. Mas eles ficarão guardados para o caso dele mudar de idéia.
-E quando eu poderei conhecê-la?
-Quando quiser, mas eu terei de matá-lo logo depois.
Célio sorriu ironicamente.
-Será que todos que conhecem a velha Margareth acabam morrendo.
-Não. Todos que não a conhecem acabam morrendo.
Augusto arrancou com o carro, deixando Célio sozinho em frente ao Palácio aguardando ao então falido presidente.