Em algum dia de setembro



Em algum dia de setembro de 1992, o ainda jovem Antonio, exímio jogador de xadrez, encerrava seu dia de aulas em uma renomada universidade federal, em Niterói, onde cursava Engenharia Telecomunicações.
 
Já era noite, passavam das vinte e duas horas, e como sempre ele entrava em seu bem cuidado VW Passat e saía em direção ao Rio de Janeiro. Amante da direção esportiva, sempre seguia direto para a estrada das Paineiras, depois de cruzar Santa Tereza.
 
Após passar pelo local conhecido como Dois Irmãos, ponto final de uma das duas únicas linhas de bonde que ainda atendem Santa Tereza, o Antonio dava início a seu “treino” de direção esportiva que envolvia, no mínimo, cruzar as Paineiras. Algumas vezes envolvia uma ida até por um lado o Cristo Redentor e pela outra extremidade o Itanhangá.
 
Numa destas jornadas, enquanto passava pelo Sumaré, seu carro simplesmente “apagou”. O contato da ignição não provocava nenhuma reação do motor de arranque. Breu quase total. O forte escuro era cortado apenas pela tênue iluminação da lua, que estando em sua fase cheia, brilhava já avançada no céu naquele instante. Telefonia móvel ainda era apenas para os ricos.
 
Mesmo depois de checar a fiação básica do veículo, o carro se negava a dar sinal de vida. Conforme os minutos se sucediam, o medo de estar a sós, em um local tão ermo, ia crescendo.
 
Antonio lembrou-se que em algum lugar do Sumaré, havia a residência do arcebispo do Rio de janeiro. Sem ter muitas opções, munido de alguma coragem, decidiu procurar a tal residência. Pôs-se a caminhar sem saber a direção.
 
Já afastado do carro, e com a estrada embrenhando-se em alguns momentos pela cerrada mata atlântica, continuava sua caminhada a procura de alguma residência. Em sua cabeça, e fazia muito sentido, aquele deveria ser o único lar naquela área.
 
Do nada, ouve três estampidos que lhe pareciam tiros. Suores tomaram-lhe imediatamente o corpo.  Parou. O que fazer?
 
Como os estampidos ainda pareciam longe, aumentou sua atenção, e mesmo tomado de alguns tremores continuou sua jornada. Nos momentos em que a estrada se aproximava da costa natural da montanha, ele conseguia ver ao longe as luzes da cidade.
 
Passado alguns minutos de lenta mais constante caminhada, entremeada por sustos de ruídos estranhos e animais silvestres, o assustado Antonio avistou um local aberto, que mais parecia um mirante. Mas de longe percebeu um carro parado. E agora! O que fazer? Estampidos que pareciam tiros. Ruídos estranhos, movimentos na mata e um carro misteriosamente parado em pleno escuro. Com esforço consegue ver as horas e já passavam das duas da madrugada. Ele para e não sabe mais como agir.
 
Sua mente era tomada por pulsos elétricos que pareciam um turbilhão de idéias possíveis. O carro estaria abandonado! O carro era de alguém que acabara de ser assassinado! O carro era de marginais! O carro era de um destemido casal de namorados que aproveitavam a noite e o abandonado da área para amarem-se volupiosamente!
 
Não bastasse toda esta situação, do nada surgem uivos caninos, como que reverenciando a lua, que cheia encantava o céu. A mente do Antonio, que já parecia um novelo emaranhado de pensamentos, a maioria deles manchado de medo e susto, tinha agora mais uma informação que se em um dia normal passaria despercebida, neste dia parecia um sinal do mundo para o que poderia acontecer.
 
Aquele latido longo e agudo parecia ferir diretamente o cérebro do Antonio. Do nada suge um segundo veiculo, desta vez vindo por trás, e que dá ao pobre do Antonio pouco tempo para se esconder. Lanternas nas mãos, os ocupantes do veiculo, pareciam procurar algo. A mente do Antonio, muito assustada processa sem nenhum cuidado lógico: Eles viram meu carro parado e estão a minha caça para me roubar, quem sabe até me seqüestrarem e também me maltratarem.
 
O medo neste instante era de tal monta que seu coração parecia querer saltar-lhe do peito. Como um animal assustado, se encolhia totalmente e torcia que não o achassem. O Carro passa lentamente e o susto vai gradualmente diminuindo.
 
Ele observa que o carro para em frente ao veículo que estava parado mais a frente, naquilo que parecia ser um mirante. Meu Deus pensou Antonio, agora eles vão fazer uma carnificina com aqueles passageiros.
 
Do nada saem do veículo quatro passageiros e se aproximam do carro parado, todos com lanternas nas mãos, e parece haver algum tipo de contato. Antonio de longe observa tudo. As pessoas parecem se conhecer, trocam risos e os dois veículos saem em direção a Santa Tereza.
 
Antonio, tomado de certo alívio, como não encontrasse a residência procurada, decide retornar ao carro, e esperar que o dia amanheça logo para decidir, com luz natural, o que fazer.
 
Antonio prosseguiu, passo ante passo, com atenção redobrada, até que finalmente chega ao seu carro. O veículo estava exatamente como o deixara. No vidro um recado: Torcemos que tudo vá bem com você(s). Desceremos te procurando. Amanhã pela manhã retornaremos e se você ainda estiver por aqui te ajudamos.
 
Por um momento Antonio foi tomado de ódio: Eles eram amigos, e eu parecia um rato assustado.
 
Entrou no carro, e como reflexo, sem pensar, colocou a chave na ignição e ligou o carro. Não é que o danado do carro ligou de primeira. Meio que incrédulo acelerou e teve certeza que o motor estava em pleno funcionamento. Acendeu os faróis, destravou o carro e pôs-se a caminho de casa.
 
Até hoje o Antonio é um excelente jogador de xadrez, mas quanto a subir de carro para as Paineiras, nunca mais. Passou a ser um local proibido, mesmo que durante o dia.
 


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 24/01/2011
Código do texto: T2749424
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