Vida e Obra de um Edifício
Vida... Já parou para pensar no que é a vida? No que se baseia a vida? Ou até mesmo como você irá construir a sua vida?
Ed nunca pensou que sua vida iria se transformar no que é agora, ele se orgulha do que ele é, mas nunca foi dono da sua própria brita, nunca teve a sua voz.
Ed tinha um sonho, queria ser um enorme edifício, aquele que é feito para pessoas importantes, para ocasiões importantes... Quem sabe até ser sede de uma empresa?
Ele foi crescendo, areia após areia, água após água, cimento após cimento, brita após brita, e a cada metro cúbico que ele aumentava, mais ele se animava, mais ficava orgulhoso de si mesmo. Até que em um belo dia, Ed percebeu que ele não era mais o Ed, percebeu que abaixo de si ainda existia algumas raízes, perto da fundação que os engenheiros escolheram, a estaca tipo Franki, que ele sempre quis que a usassem quando foi construído.
Ed viu que as raízes queriam sair e não conseguiam, tentavam, tentavam, mas a estaca persistia, não deixava nenhuma escapar, até que elas foram perdendo as forças, perdendo o ânimo e murcharam para sempre, desistiram da vida.
Ele, primeiramente, se sentiu mal, sentiu que a culpa era sua, afinal aquelas fundações estavam ali por sua causa, ele tomou lugares de várias árvores, de vários tipos de plantas, até capim não existia mais ali, a não ser pelos artificiais, é claro.
Sabia que ele era a base de tudo, sabia que ele não era lá muito ecológico, sabia que só piorava cada vez mais o planeta, que assim como ele, existiam outros concretos, tirando vidas, transformando florestas em cidades, proibindo o mundo de viver.
As pontes, que ele achava incríveis, não eram só a ligação de um lugar a outro, não era uma inovação, uma maneira de deixar tudo mais rápido, quer dizer, era sim, uma maneira de deixar tudo mais rápido, deixar a morte mais rápida que a vida, deixar a ganância mais rápida que o tempo... Enfim, antecipar tanto, que agora, ele, um concreto em plena fase de crescimento, não podia fazer mais nada, era só mais um, como ele pensava, não tem mais como eu mudar tudo isso.
Desde desse dia, Ed não era mais o mesmo, não apresentava tanta resistência, seu fck era muito baixo, que mesmo com o Slump test, ele não se animava para parecer melhor, fazia com que os vibradores acabassem vibrando no mesmo lugar, deixando mais e mais vazios... Enfim, não estava se comportando como um concreto, um concreto ARMADO, aquele que devia fazer jus a esse nome, afinal batalhara tanto para isso.
Os engenheiros ficavam cada vez mais preocupados, a dosagem experimental não estava dando mais certo, e com isso eles tinham bem mais trabalho, tinham que fazer vários tipos de cálculos, mas nada, nada mesmo adiantava.
Chamaram engenheiros de outros países para examiná-lo, tentar aumentar sua resistência, mas nada também adiantou.
Ed agora precisava de pilastras para ajudá-lo a se sustentar, pois como já estavam na obra do sétimo andar, não podiam mais voltar atrás.
Até que quando todos já tinham ido para as suas respectivas casas, Ed começou a sentir fraco, meio zonzo, talvez fosse pelo fato do seu fator água/cimento estar baixo, até que sua temperatura ficou baixa demais, a MER, massa específica real, dos seus componentes começou a variar, sua massa úmida diminuía cada vez mais, a tração ficou mais forte pois sua armadura metálica, o seu coração, não conseguia mais controlá-la. Enfim, Ed sabia que não tinha mais forças, os tijolos começaram a se jogar edifício abaixo gritando:
--- Ele vai desmoronar, vai cair, vai cair, salvem-se quem puder!!!
Ed pensou em toda a sua vida, desde aquele restinho de areia que tinha sobrado de seu pai e das britas extras de sua mãe, dois concretos fortes resistentes, mas que não puderam ver ser filho crescer, se tornar um Betão armado, ficando conhecido por todas as casas e prédios da região. Lembrou do Sr. Antônio, aquele velho peão, o que fez dos restos dos seus pais e de alguns novos materiais: ele, o Ed.
Sr. Antônio se emociona até hoje por ter colocado o aço no Ed, a sua armadura metálica. Lembrou-se também da Julinha, aquela argamassa romântica, que de vez em quando trocava umas areias, sem compromisso, sabe? Essa vida de concreto não dá para ter relacionamentos fixos.
Mas, Ed lembrou-se, principalmente, das raízes presas, abaixo dele, pelas estacas, as malvadas fundações! Ed queria libertá-las, quem sabe, com um ar, podendo respirar, elas pudessem voltar a ser aquelas famosas raízes, aquelas valentes mesmo, que às vezes o deixavam com dor na sua armadura de tanto empurrarem.
Foi nessa hora que Ed começou a chorar, sua massa úmida chegou a zero, seu coeficiente de vazios era maior do que o seu coeficiente de compacidade, foi esmagando pilastras e tijolos, andar após andar, até que chegou ao chão, e viu que ele não era um concreto armado, era um lixo, um entulho agora, e o que ele continuava fazendo era atrapalhar os outros, todo esparramado ali, sem forças...
No dia seguinte, o “entulho” foi retirado dali, e colocado num aterro sanitário, e um dia após isso, eles começaram a construir outro edifício, com os materiais mais caros, tentando garantir a resistência da nova câmara dos senadores, contendo os políticos responsáveis pelos direitos ambientais, em Brasília.