A SANFONA E A FARDA

A SANFONA E A FARDA

São João dos Perdidos, era uma vila situada entre o Rio das Trairas e a Serra do Mundéu e lá ficava ela pequenininha, apertadinha entre os dois grandes obstáculos, mas era linda com seu casario branco de telhados vermelhos e janelas azuis e quem vivia lá era um povo simples, saudável, pacifico, alegre e acima de tudo feliz.

Naquela vidinha vagarosa, as pessoas viviam muito, ninguém morria com menos de noventa ou cem anos, também tudo colaborava para esse resultado, porque a comida era composta só de produtos naturais, o leite, carnes, cereais, legumes, frutas, tudo enfim era plantado e colhido pelos lavradores da região.

Juntando-se o ar puro que vinha da serra, aos muitos peixes do rio, com a boa alimentação, aquela vila era realmente um pedacinho do paraíso e todas essas vantagens mantinha a violência fora de lá e ninguém conseguia se lembrar de qualquer crime acontecido no abençoado lugarejo e era bom.

Mesmo com a taxa zero de criminalidade, a Vila de São João dos Perdidos contava com uma delegacia e um destacamento da policia militar e seu efetivo era de um cabo e dois soldados e também um delegado; essa valente tropa tinha seu quartel na pequena cadeia do lugar, e se acomodavam em seus três cômodos.

Em uma sala ficava o delegado Tenório, em outra que era chamada de corpo da guarda ficavam o cabo Moraes e os soldados Castro e Antunes e a ultima era a cela que nunca foi usada; para passar o tempo as autoridades jogavam truco ou buraco, comiam e dormiam, o cabo Morais era casado e tinha dois filhos.

Os dois soldados eram solteiros e tentavam namorar as simplórias moças da vila, mas elas tinham medo deles e dos pais que avisavam: moça direita não namora meganha, eles não param em lugar nenhum e por isso os coitados viviam sem saber o que fazer da vida, mas de repente a Chiquinha Moreira resolveu arriscar.

Como os dois queriam namora-la, o jeito foi impor uma condição, que foi a seguinte: olha Antunes e Castro disse a moça, eu quero namorar e talvez casar com um homem tocador de sanfona e o primeiro de vocês dois que me fizer uma serenata, será o eleito; os dois trataram de arranjar sanfonas e professor.

Conseguiram duas sanfonas velhas de oito baixos e contrataram o cego Quimbinha, para ensinar os mistérios das fusas e semi--fusas, mas o pior é que músicos tem que ter vocação e talento, coisas que nenhum deles tinha, mas passavam o dia inteiro com as sanfonas sobre os joelhos, se esforçavam, mas não dava certo.

Durante meses os dois soldados puxaram aqueles foles, sem conseguir tirar deles nem um som aproveitável e o pior era que as calças de suas fardas se rasgavam no atrito com as sanfonas e o cabo e o delegado, já não agüentavam mais aqueles rinchos desafinados o dia todo e metade da noite e resolveram apelar.

O delegado e o cabo tomaram a decisão de dar um fim aquele tormento e foi assim: durante a noite roubaram as malditas sanfonas e sumiram com elas e de manhã quando Antunes e Castro procuraram as cujas levaram um susto, porque era o primeiro roubo acontecido naquela vila e saíram em diligencia atrás do ladrão.

Quando o povo da vila soube do ocorrido, ficou assustado, porque nunca tinha acontecido nada parecido naquele lugar, mas os dias passaram e o assunto foi esquecido, menos pelos dois soldados que perderam a chance de arranjar uma namorada e continuaram usando as fardas remendadas; e a Chiquinha Moreira?

Ela não perdeu tempo, desistiu dos soldados e arranjou logo um lavrador chamado Antero de Souza e em três meses estava casada com ele; os soldados se tornaram a piada da Vila de São João dos Perdidos com suas fardas remendadas, porque o governo só fornecia fardas novas uma vez por ano e ainda por cima solitários e solteirões.

Maria Aparecida Felicori {Vó Fia}

Texto registrado no EDA

Vó Fia
Enviado por Vó Fia em 14/01/2011
Código do texto: T2729676
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