O todo em partes únicas
Continuo seguindo a estrada de terra. Deixei tudo pra trás. Mais uma vez. Aos poucos as casas vão ficando menores, assim como meu coração, apertado com a distância que vou tomando daquele que um dia já foi meu lar.
A decisão de ir embora foi tomada em uma noite, mas após dias, talvez semanas relutando em não aceitar a verdade, que seria necessário. Eu precisava deixar tudo aquilo e seguir em frente. Precisava deixá-lo.
Eu seguia em frente, passos firmes. Carregava poucas coisas, um punhal, uma bolsa com alguns pães, e umas duas ou três moedas.
Parei, onde a estrada fazia uma curva, e olhei pra trás. Ainda podia ver as pás dos moinhos, girando lentamente, embaladas pelo vento quente do verão. Eu fechei os olhos, e quase podia senti-lo. Eu parti antes do dia amanhecer. Parti sem avisar, mas tenho certeza que ele, de algum modo, sabia. Só não sei se entenderia os meus motivos, ou se aceitaria.
Fiquei ali olhando, não sei por quanto tempo, e então dei as costas. Olhava apenas para o chão, e voltei a caminhar. Minha partida, quase uma fuga. Eu fugia do que sentia, do que não sentia. Fugia. E tinha medo. O medo fazia de mim fraca, e por ter medo e não querer mais senti-lo foi que fugi. Enfrentaria meus demônios, os que estavam por vir, os que deixei para trás e os que levava comigo.
Sei que voltaria a confrontá-lo, sei que de algum modo voltaria a sentir toda a dor e amor que tinha naquele lugar. Embora parecesse antagônico, eu me afastava daqueles braços que eram de alguma forma meu porto seguro. Sei que voltaria, sei que de alguma forma seria como se eu não tivesse ido embora. Mas no momento era necessário. Eu partia, mas sempre seria uma coisa só, porque mesmo longe, eu sempre seria seu lar.