Lendas de Ouro Preto I - Igreja de São Francisco de Assis.

Como toda boa igreja de Ouro Preto, a São Francisco de Assis também tem as suas:

Lenda 01 - Os escravos.

Aproveite uma dessas noites ouropretanas onde a cerração esbranquiçada e difusa encobre os telhados das casas e esconde as encostas dos morros. O vento gelado corre solto, soprando entre as frestas dos casarios antigos, breves lamúrios lânguidos e em surdina. O ar silencioso, pesado e escuro da noite parece cúmplice dos fantasmas que rondam a cidade à êsmo. Um ou outro lampião da praça deixa escapar uma luz amarelada e mortiça no meio das brumas pálidas. Nestas horas, ninguém é doido de perambular pelas ladeiras de pedras lisas. Nas cantarias frias, escorre lágrimas de orvalhos, quiça tantas quantas foram as derramadas para perenizar a glória deste vale encravado nas vertentes do Tripuí. Tantas são as histórias, que até o Itacolomi, que está aqui desde quando tudo começou, já se esquece de contar todas elas. Estará caducando ou quer apenas esquecer tantos sofrimentos já passados nesta terra?

Mas as pedras frias e escuras da Igreja de São Francisco estão vivas. No meio da cerração percebe-se as lágrimas que escorrem dos cortes levigados no guartzito duro. Tome coragem e encoste o ouvido em uma delas. O temeroso silêncio da noite começa a encher-se de sons de vozes. A princípio, vozes baixas e cadenciadas que parecem querer sair de dentro dos seios das pedras. Aos poucos, elevam-se quase audíveis. Pode-se notar que são escravos falando. Falando uma língua misturada e confusa. São os escravos que ajudaram a levantar cada uma destas pedras. Eles estão lá, perenes e vivos, morando na igreja já morta a estas horas da noite.

Lenda 02 - O irmão franciscano.

O dia, um dia qualquer destes que compôem os dias de Ouro Preto, já tinha descambado lá pelas bandas do morro do Cruzeiro. Uma noite sem lua vinha cobrindo devagarinho os cumes do morro da Queimada, espantando a luz da tarde. Já há algum tempo, batera as seis badaladas da tarde no sino de Santa Efigênia. A cidade já se prepava para dormir mais uma noite. Mais uma noite de recolhimento pois, daqui a pouco a noite é só dos assombrações.

Esquecera pois, um irmão da ordem, de guardar uma encomenda na sacristia da igreja. Tomado de coragem, na penumbra, posto que a noite ainda não era adiantada, resolve abrir a igreja e lá deixar o guardado. Destrava a porta lateral da sacristia e abre a pesada folha de madeira almofadada. Procura um interruptor e ilumina o escuro e frio corredor de pedras. Poucas eram as luzes elétricas do interior, mas conhecedor dos caminhos internos da igreja, só isto seria suficiente para levá-lo até o arcaz colocado no fundo da sacristia. Afinal, duas pequenas e distantes lâmpadas amarelas avermelhadas e algum leve ruído vindo da rua e entrando pela porta aberta já era o bastante para lhe dar coragem. No mais, tudo era sombra e silêncio. Adentrou-se pela sacristia escura e silenciosa, ressoando uns passos, por que não dizer, meio indecisos e medrosos. Mas foi em frente para deixar a encomenda quardada. Chegou até o arcaz e, antes de abrir o gavetão, por desencargo de consciência, resolve dar mais uma olhada ao redor, por sinal, bastante escuro àquelas horas. Qual não foi o seu espanto quando deparou, a um canto da sacristia, um irmão sacerdote franciscano, ajoelhado contritamente em um genuflexório, rezando um breviário à luz bruxuleante de uma vela.

Bom, a partir daí não é necessário dizer o que fez. Ele mesmo não sabe dizer, somenos que, quando deu fé, estava espavorido e tremendo no meio da rua, no meio de populares que o acudiram.

Verdade é que, conjeturaram todos que era apenas uma visão, mas pela via de dúvidas, no dia seguinte iriam averiguar o fato. Fato é que, no outro dia, já claro, com muita luz e cheio de gente, o grupo adentra pela sacristia afora. Lá estava no fundo o arcaz. Com o gavetão aberto. E lá no canto, o genuflexório.... Com um pedaço de vela derretido e um breviário aberto.... Foram olhar no armário dos livros sacros e, cadê o breviário?. Lá estava ele na sacristia.

Dizem que sempre, quando se abre a igreja pela manhã, no mesmo local encontra-se pedaços de vela queimada e o breviário aberto, fora do armário onde sempre fica guardado.

É o irmão franciscano que esteve lá esta noite rezando ....

IndexVieira
Enviado por IndexVieira em 11/01/2011
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