Um encontro especial...
A ponte que me leva todos os dias para casa, já nem sei se devo confiar... Por ser meu único atalho de ida e de volta, não tenho muito o que discordar. Mas algo vem me deixando intrigada: é que eu andei saindo, e na volta, ao invés de eu retornar para meu lar, eu ia parar sempre em algum lugar que, sei lá, é estranho e ao mesmo tempo familiar.
Sentia-me distante de tudo que conhecia, de tudo que vivia. Mas me sentia bem, como se fosse justamente aonde eu sempre quis estar. Talvez por me sentir à vontade e tão bem é que ficava arredia com o desconhecido, digamos: diferente da minha rotina e realidade.
Se eu contar essa história mal contada para minha psicóloga, tenho certeza, ela não vai acreditar, e logo vai-me perguntar: "Como era esse lugar?" Já que não vou contar nada para dra. Margarida, tratei logo de descrevê-lo nas entrelinhas do meu diário. Que é para se caso, ou por ventura, num desses azares da vida, eu caia e bata com a cabeça, esteja registrado. Então escrevo:
O lugar era rico em vida, com muito verde e árvores ao redor, com céu que mais parecia furta-cor. O sol rei parecia gostar da minha presença. O mesmo, escapava pelas fendas das árvores para me visitar... O vento era diferente, exalava jasmim... Mas o que mais me chamou a atenção foi aquela criança, uma menina diferente, que tinha algo especial. No início, pensei que a menina estava perdida e dava uma passada de olhar para ver se achava seus pais, mas nada!
Era lindo de ver como ela me olhava e sorria, como quem tivesse se encontrado, como se EU fosse um achado... Ela não falava, mas era como se ela fosse meu espelho. Eu podia ler todos os seus pensamentos, sentir todos os seus desejos, me alegrar com todas as suas brincadeiras e sentí-la como nunca senti ninguém, a não ser eu mesma.
Ela olhava para mim com olhos de esperança, com olhos de fé, tal como se eu fosse o seu futuro brilhante, o seu destino... E de repente tudo passava como um filme em minha cabeça: lembrava-me da volta para casa, da ponte, dos caminhos, do lugar e da doce menina com olhos regados de inocência, mas ao mesmo tempo urgência de ser aquilo que se sonha... Lembrava-me daquele sorriso que transbordava sinceridade, mas que ansiava liberdade. O cheiro da menina era o mesmo que o meu...
Pensei - tantas coincidências, será que o destino está a me pregar uma peça?
Ou enlouqueci de vez? Intensa que sou, resolvi pegar nas mãos da menina para sentí-la, tocá-la... E passeando meus olhos sobre sua palma, pude perceber que eram as mesmas linhas que as minhas - esfreguei meus olhos na busca de estar louca, com sono, míope... Mas não, era exatamente o que eu via, uma mão como a minha, um cheiro como o meu, os olhos de fé como os meus, o sorriso de sapeca que ansiava liberdade, tal como os meus.
De tanto buscar respostas para as minhas perguntas, cheguei à conclusão de que a linda menina era um anjo, mas logo me veio outra pergunta: como assim, um anjo?Logo eu? - cheia de defeitos, nada angelical, apenas com minha bagagem de fé, coragem, ousadia e na busca incessante da cobiçada liberdade, como pude eu ter contato com um anjo? Não, não, isso não é real. Resolvi procurar uma saída para sumir dali e marcar com urgência uma consulta com a minha psicóloga.
Quem disse que eu achava a saída? Conformada de que eu estava tendo um sonho bonito e louco, resolvi relaxar, cruzar as pernas como Buda e meditar. Meditando, ouvi o sussurrar do vento baixinho no meu ouvido, dizendo: "essa menina é você, Valentina, é apenas um encontro com o seu "Eu" e com sua menina, com seus sonhos, com sua inocência ainda intocável, quando tudo era mais bonito, quando tudo era possível.
Atônita, levantei-me daquela posição de Buda e fui olhar bem de perto aquela menina. Ela estava sentada na pedra, me olhando e, como sempre sorrindo...
Eu encantada com o que tinha ouvido, deslizei minha mão sobre seu cabelo, acariciei seu rosto alvo e notei que o mesmo cordão de ouro que eu tinha ganho com três anos de idade estava ali, bem no pescoço da menina.
Pude ter a certeza de que o vento amigo não brincava comigo. Fitei o breu dos meus olhos sobre o breu dos seus e vi minha'alma. Isso mesmo - vi minha'alma... Enxerguei toda minha trajetória até aqui, vi todos os caminhos que insisti passar, todas as guerras que eu tive que lutar, todas as lágrimas derramadas sobre aquele lençol, todas as vidas que Deus permitiu que partisse, todo o amadurecer de uma menina-mulher. Me vi inteira, desnuda... Corajosa e ao mesmo tempo desprotegida. Vi toda a vontade interior que eu sempre tive de mudar minha história, transformando minha tristeza em alegria, minhas perdas em força, mas que com o tempo e com a vida corrida, já tinha esquecido! Pior, tinha esquecido de mim!
Aquele túnel do tempo com encontro marcado comigo fez-me enxergar novamente... Tirou toda a poeira que embaçava minhas lentes e me deu gana de voltar a ser aquela menina idealista, sonhadora e com alegria na alma. Quando a ficha caiu de verdade, uni minhas mãos sobre as dela, fechamos os olhos, e quando os abrimos, parecia mágica, nos transformamos em uma só.
Fui marcada e jamais esquecerei o motivo pelo qual eu existo, pois não caí de paraquedas nesse mundão de meu Deus para ser só mais uma. Eu fui escolhida, e minha missão aqui na terra é com um propósito: de ser estupendamente feliz!
((( Camila Senna )))
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