Memórias de uma casa
Olhava-a e não a enxergava, não a reconhecia. Musgos, líquens, cogumelos e algumas plantas trepadeiras revestiam-na, encobrindo o branco das paredes. Até a austeridade da madeira ganhou, com o passar do tempo, uma aura de velhice, de sábia velhice. Aquela casa respirava memórias de um passado cheio de vida. Pessoas percorriam seus corredores, penduravam-se em redes na varanda, a descansar. Conversavam, riam, brincavam, crianças corriam, falavam alto semelhando brigas... Ah! Tudo isto coube naquela casa, agora abandonada e entregue a lagartixas, formigas e outros insetos.
Pessoas foram felizes ali, casaram-se, construíram famílias, viveram... E a casa sempre a testemunhar o tempo... Todos passaram por ali e agora a casa estava só, quieta. Paredes "doentes", esburacadas; janelas quebradas mirando a paisagem verde; telhado com suas telhas trincadas, mal colocadas, a permitir a passagem da chuva; suas colunas resistentes e entrelaçadas por raízes de diversas plantas; quartos vazios transbordavam recordações; a cozinha ainda tinha, na reminiscência de cada tijolo, o cheiro festivo dos pratos, o aroma encorpado do café de manhãs de muitos ontens; um fogão à lenha inativo ainda tinha as marcas dos carvões antigos; a varanda solitária e silente a olhar para fora, como que buscando a alegria de outrora.
Ele via tudo isto e desnudava sentimento por sentimento os compartimentos daquela casa ainda receptiva. Via-se nela, mas não conseguia mais contemporanizá-la nele. Ela era uma parte do seu passado, um doce e feliz passado.
(Danclads Lins de Andrade).