Reflexos do que não foi

O tempo não estava como esperávamos, mas, ainda assim, o dia estava agradável. Beijávamo-nos sob aqueles pingos que escorriam por nossos corpos, alguns se divertiam com suas petecas, as crianças brincavam com seus baldes e até havia alguns casais caminhando ou pedalando.

Tudo estava indo bem, quando, de repente, iniciamos uma discussão boba. Dei-me conta de que estava ouvindo as palavras mais verdadeiras que já ouvira em toda a vida. Cláudio se descontrolou e disse que estava desistindo de me entender, pois, com tanto que havia feito por mim como prova de seu amor, eu não conseguia acreditar nos sentimentos dele, sempre desconfiada, sempre insinuando que, a qualquer momento, ele me abandonaria, enquanto tudo apontava o contrário. Pensei ter descoberto, naquele instante, que, enquanto namorados, o meu amor por ele era apenas algo em que eu tentava acreditar a cada dia que passava. Chegar a essa conclusão me causou um enorme sentimento de culpa, o que me matou por dentro. Ele não merecia aquilo. Não consegui me conter. Acabei o nosso relacionamento. Foi embora.

Passei alguns minutos chorando desesperadamente, ao querer comparar a nossa relação com aquela imensidão azul que invadia os meus olhos e me dava uma sensação de infinito. Mas consegui me acalmar, porque aquele lugar me transmitia tanta paz, tanta sede de viver! Provocava em mim uma sensação de liberdade estonteante. Pensativa, tentei buscar no passado o porquê do meu “medo de ser amada“, citado por Cláudio. Queria encontrar o motivo da desconfiança de que qualquer homem pudesse me amar. Foi como mergulhar em um turbilhão de recordações. Começou a passar pela minha mente um filme da minha vida que, em partes, eu queria esquecer.

Distraía-me cada vez mais, mergulhando nas lembranças assim como as crianças que adentravam aquelas águas, sem medo do que poderiam encontrar. De repente, a minha distração virou tensão, saudade, raiva e angústia, ao ver chegar aquele que, antes, eu dizia ser o melhor homem do mundo. Tinha ido morar na Europa fazia alguns anos.E as minhas palavras de despedida não foram das mais agradáveis. Fui embora do Rio de Janeiro logo depois que ele foi. Perdemos totalmente o contato. Estava como sempre: lindo, esbanjando aquele charme e expondo aqueles dentes admiravelmente imaculados. Há quanto tempo eu não o via! Mas estava com aquela que o havia me tirado. Um ódio imenso tomou conta de mim, ao vê-los juntos.

Após um tempo observando discretamente os dois, presenciei cenas melosas que achava que só aconteciam com casais recentemente apaixonados: colocaram bolinhas de peixe na boca um do outro, tatuaram suas iniciais com henna e até cataram búzios. Ele sorria com tanta sinceridade, ao olhar nos olhos dela, e ela o olhava com um olhar tão terno, tão puro e com tanta alegria, tanto...amor.

Ele foi o primeiro que eu amei e, pela primeira vez, após anos, eu entendi o porquê de ter me deixado. Eu ainda o amava e, vendo-o tão feliz, estava começando a perdoá-lo por ter ido. Descobri que era exatamente o que queria também para Cláudio: que ele fosse feliz onde quer que estivesse. Eu o estava perdendo junto da possibilidade de fazer parte da felicidade que lhe desejava. Percebi que o amava, mas que o medo de ser abandonada por ele era consequência da minha infância, por ter ouvido, anos antes, aquele homem que "agora" eu observava, antes morto, dizer que precisava ir, que ia me deixar por uns tempos. Ah, como eu sofri! Eu me sentia tão feliz ao lado dele!

Continuei a observar aquele casal. De repente, o homem deixou que suas lágrimas se misturassem aos respingos daquele dia, ao ver uma menininha catando búzios com o pai. Não poderia deixar o meu orgulho superar a vontade que eu tinha de ter aquele abraço acolhedor de volta, o do melhor homem do mundo aos olhos da criança que fui. Eu sabia que era em mim que ele pensara, naquele momento. Não hesitei: corri até onde estava com a moça e me atirei nos braços dele. Ele não acreditava no que via. Pedindo desculpas e chorando descontroladamente, finalmente, abraçava-o novamente.

Foi o único dia em que chorei pelos dois homens mais incríveis do mundo: o que foi responsável pela primeira decepção e a primeira compreensão do que é o amor e o que, minutos depois do meu reencontro com primeiro, voltou para dizer que, independente das circunstâncias, queria me ver feliz. Eu os amava e era completamente correspondida. Eu descobri que tinha o melhor pai e o melhor futuro marido do mundo.

Acira
Enviado por Acira em 30/12/2010
Reeditado em 26/04/2011
Código do texto: T2699409
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