Pítia

“Eu quero a felicidade em nosso amor, que mal pode haver?” Escolheu Pítia do alto de sua feminina intrepidez. Não é todo dia se terá um pedido atendido por Juno. Ela não podia deixar passar a oportunidade, e este pedido simples, parecia atender os anseios do namorado, que temia pelas maldições que viriam junto ao desejo. O pedido era universal, e mesmo procurando um motivo ele se convenceu, era perfeito. Juno, porém, achou o pedido ultrajante, e disse que este tipo de pedido teria um alto preço. Inflamado pela escolha da amada, ele a desafiou: este seria o pedido deles, e a ela não caberia maldição de mesmo poder. Ela então fez sua maldição “haverá no desejo o que matará a paixão”. Pítia a confrontou: “mas se pedimos felicidade, como nos dá tristeza?”. Juno bastou-se a dizer que lhes dará a felicidade, mas que não é do desejo deles que ela não se acabe.

Pedido consumado e foram felizes, se já o eram, agora eram mais. Estavam leves, alegres, e sorridentes. Se sentiam capazes e poderosos, o mundo não parecia apenas realizável, mas delicioso. Chamavam a atenção dos outros, e isto começou a criar ciúme em Febo. Pítia estava bonita, não que Febo não estivesse, mas a alegria no corpo delicado de menina a deixou mais sensual. As formas miúdas do seu corpo pálido se tornavam abundantes com seus gestos enérgicos e sorriso cativante. Sua alegria costurada a sua prestatividade natural a tornara um irresistível. Os homens agora a desejavam em abundância, ela recebia olhares e atenção, estava sempre com um sedutor em seu enlaço. Para ela, isto se tornara uma rotina chata, e fora as encantadas que a divertiam com sua variedade e exotismo, os outros pareciam bonecos reticentes que caiam sempre do mesmo modo.

O ciúme de Febo, porém, só aumentava e quanto mais ela parecia resistir e se aborrecer mais ele temia que houvesse espaço para um terceiro. Ele passou a observá-la de longe, interrogar terceiros sobre ela, conferir suas cosias, e visitá-la de surpresa. No início ela aceitava o cuidado, era um direito ter medo. Mas Pítia também irritava-se com isto, e resolveu dar um basta antes que o namoro torna-se um inconveniente, agindo um passo antes da maldição. Conversaram sobre a maldição e o modo que Febo estava agindo, concluíram sem muita demora que ele estava criando as condições necessárias para que a profecia se cumprisse, ele a sufocava, e sabia disto. Pítia foi compreensiva ao seu ciúme, mas exigiu confiança, se ele continuasse a duvidar dela, ela levaria isto para o lado pessoal. Febo assentiu, e assim seguiu o namoro.

Pítia continuou olhada, desejada, e entediada com isto. Febo por sua vez não abdicou de seu ciúme, transformou-o em brincadeira em ironia, nunca deixou de notar os desejos sobre a amada, mas automatizou seu julgamento negativo aos admiradores, e permitiu a amada desfrutar de confiança irrestrita. Ele até passou a divertir-se com as mulheres que por ela se encantavam, além das provocações com a namorada de dividir a cama com outra mulher e ele, ele velava a elas o mais improvável e irreversível dos desejos, a sexualidade de sua amante. E estas amantes eram de tal modo exóticas à ela, que certa vez se deixou levar pelos encantos de uma e se permitiu flertar com ela longe dos olhos de Febo. Porém a jovem menina não conseguiu tirar de Pítia o determinado amor pelo amante, eles estavam tão plenamente apaixonados um pelo outro, que ela só serviu como um modelo para que as qualidades do amante se sobressaíssem, e os defeitos minguassem.

Um dia, porém, um jovem não caiu aos encantos, à esta altura nínficos, de Pítia, pelo contrário, achou-a desbotada e comum. A magia da exceção ascendeu o interesse nela, que passou a olhá-lo e cortejá-lo. O jovem por sua vez manteve-se inabalável, e até teceu alguma rudeza contra ela. O jovem não tinha visto ainda que Pítia tinha à Febo como amante, e isto despertou no jovem o mesmo poder da conquista que Pítia perdera de desfrutar com ele. Sentiu-se poderoso, e ela se sentia nua. Febo tornou-se o adereço dos olhares do jovem que passaram a fitar a mulher com interesse e domínio. Quanto a Pítia o desejo era inegável de possuir o que não podia, de ser plena em seus poderes femininos. Não demorou muito até que se encontrassem, e flertaram durante muito tempo, com o jovem mantendo em Pítia a insegurança que a apaixonava, exercitando seu poder sobre o desejo dela. Até que ele estava a ponto de se permitir deixar de exercitar seu poder, de tomá-la em seus braços foi quando Pítia fugiu, sem dar explicação ela fugiu.

No outro dia pela manhã, Febo a procurou. Disse que vira ela saindo com ele e se encontrando à sós. Febo parecia nervoso, mas falava com firmeza. Confessou a ela que sentiu muito ciúmes, que quis ouvir a conversa deles e o resultado era inegável, ele estava certo. Antes que Pítia pudesse se antever a uma acusação de traição, ele foi claro ao dizer que não deveria tê-la espionado, e que hoje pela manhã era um homem livre. Ele confiava nela. Não interessa o que acontecera ou os pormenores, foi ótimo não sabê-los na noite passada, hoje com ela em sua frente ele se sentia livre das próprias acusações, e tinha certeza de tê-la. Porque ele a teria, e isso homem nenhum poderia tirá-lo, apenas ele mesmo. Ela então sorriu, e não contou o que se passara com ela, não era hora de testar o que ele havia acaba do construir, amaram-se, era o bastante.

Pítia murchou nos dias que se seguiram, o jovem rapaz recebeu delas palavras rudes e secas. Os admiradores elevados ao estados de descarga de adrenalina e raiva. E a alegria de Pítia se foi. Febo tentou persuadi-la a contar o que havia acontecido, ela disse apenas que o problema cabia a ela, não havia nada de diferente nele, pelo contrário, era ainda mais desejável que antes, mas algum fogo nela se extinguiu. Nos dias seguintes, Pítia passou a flertar descaradamente com outros homens, mas Febo não conseguia mais ter ciúmes, tinha pena. Ela desmoronara, prostituía sua imagem, e os admiradores se tornaram menos célebres e mais caricatos. Febo tentou intervir, mas ela só reclamava de não conseguir se sentir amada por ele, mesmo que ele declarasse todo o amor do mundo a ela. Ela se sentia rejeitada e comum, sentira que desaparecera do panteão de Febo. Nada conseguiu recolocar os sentimentos de Pítia, Febo perdera o medo, e ela enterrou junto com os ciúmes a sua feminilidade, não conseguia sentir-se desejada, pois ele não tinha ciúmes.

Febo insistiu ao seu lado por meses, até que Pítia se dera por vencida. O apego de Febo parecia-lhe como uma obstinada busca por não realizar a maldição, e não dava a ela nenhum desejo, só determinação. Ela então entregou-se a Juno, aceitou sua infelicidade e heresia ao pedir felicidade. Juno porém compadeceu-se da dedicação de Febo, e prometeu-lhe um dom sem maldição, e deu-lhe liberdade.