O GAROTO E A BICICLETA

Numa cidade do interior do Estado do Pará, às margens da Belém-Brasília, em uma rua poeirenta o movimento de motos, bicicletas, pessoas a pé, alguns automóveis; o sol inclemente no meio da tarde chega a dar agonia no individuo de sã consciência, no entanto para as crianças e os adolescentes que brincam por ali o sol e a poeira nada significavam.

O garoto estava feliz, dezoito anos recém completados, e a alegria passou a fazer parte de sua vida desde que comprara a bicicleta, a realização do seu sonho, primeiro sonho de um ser que apenas começava ver a realidade da vida.

Ele deu mais algumas pedaladas e freou bruscamente, rente a pequena calçada em frente a uma casa de tijolos com a aparência de ser recém construída. O sol já pendia para o final da tarde. O garoto entrou em casa levando a bicicleta, indo direto para o quintal para junto da pia de lavar roupas e louças onde estava a mãe.

--- Menino você agora só vive pra essa bicicleta, pensa mais em nada não !

--- Há mãe !... Mas a minha bike é lindona. Né não ?

O garoto pegou um balde com água, um pano e sabão e começou a lavar a conquista de um ano de trabalho. A bicicleta era um veículo imponente, quadro robusto de alumínio com liga de carbono, suspensão traseira e dianteira, freio a disco, oito marchas. Enquanto ele limpava a bike ia fazendo planos de encontrar com a namorada naquela noite; a mãe olhava com orgulho o filho que com o próprio esforço conseguira comprar o fruto do seu desejo desde que ainda era criança.

--- Filho, lembra que você tem que ir para a escola !

--- Certo mãe...!

Na mesma cidade, boquinha da noite, um grupo de jovens e adolescentes reunidos em uma quadra de futebol. Dois grupos disputam uma partida, outros esperam a vez para bater uma bolinha. Um pouco mais retirado, em baixo de um pé de manga, três adolescentes com aspectos de assustados, porém sem motivo para tal. Um de camiseta regata dois números maior que o corpo, Outro com bermuda folgada, e o terceiro de sandálias havaianas. O sol sumia no horizonte e a bruma noturna caindo devagarinho.

--- Hê doido, tô afim de botá o bicho daqui a poquin --- , disse o da camiseta.

--- Hí mermão tu tá é vacilano. Tu nun tá lembrado di onti não? --- falou o da sandália.

--- É mermo mané. Na parada di onti quase que tu dança --- confirmou o da bermuda.

O trio ficou em silêncio como que lembrando do acontecido na noite anterior, e o pensamento vagando sem nenhuma ideia muito clara. Os gritos dos jogadores de fim de tarde quebravam a monotonia do momento.

O da camiseta rompeu o silêncio.

--- Hê brodi, eu vô pra casa que a mãe tá me esperando. Eu tenho que ajudá ela numas coisas. ---, falou ele meio preocupado.

--- Hum ! Tá cum medo da mainha hem? --- zombou o da sandália.

--- Qui nada seu merda!! Eu respeito minha mãe! --- retrucou o da camiseta zangado, e em seguida perguntou para o da bermuda:

--- Tu tá cum aquele ferro iscundido lá no fundo do teu quintal?

--- Tá lá sim.

--- Passo lá pa pegá.

--- Tem que sê na hora que a mãe tivé assistindo novela, pra ela num percebê. Num têm?

--- A gente si incontra na pracinha da Rodô dispois das novi hora. Tá limpo?--- Sugeriu o da sandália. Ao que os outros concordaram.

Noite alta, lua no céu sem nuvens, estrelas em pontinhos brilhantes, mas o garoto não vê nada disso. Na volta da escola empurrando a bike dos seus sonhos, de mãos dada com a namorada, andando pela avenida, na pracinha, na pracinha central perto da estação de ônibus. Sua atenção vai da bicicleta para a namorada e da namorada para a bicicleta, e seu instinto acaba por preferir a namorada.

--- Hum ...! Vou dar um pega na minha gatinha --- pensa o garoto. E falando diz a ela:

--- Vamos sentar neste banco --- disse apontando um banco de concreto embaixo de uma arvore fora do foco da lâmpada;

--- Só um pouquinho. Já tá muito tarde. A mãe deve de tá preocupada----murmurou ela.

O garoto encosta a bike e senta-se com a namorada iniciando a sessão de amassos, e a bicicleta some de sua memória inundada de feromônio, enquanto sua língua se enrosca com a língua da namorada. Tudo some ao redor.

No mesmo local, um pouco mais adiante, no escuro, três vultos,(o de bermuda folgada, o de camiseta, e o de sandália) como que se escondendo, observam o garoto e a namorada.

--- Rapá, Vê só aqueles dois. Tão si cumeno ali doido !

--- Óia o camelo do otário mano ! --- chama a atenção um deles.

--- É mermo ! O produto deve di dá pra comprá déis grama de nóia.

--- Intão vamu lá !!

Passos apressados, olhares para todos os lados, respiração ofegante, joelhos tremendo, mão suada segurando o cabo da faca no cós da bermuda. Em quanto os três avançam em direção do casal o pensamento é um só. A peteca de nóia que eles vão torrar mais tarde.

--- Aí muleque ! Tu vacilou seu bosta ! --- bradou um.

--- Esse camelo agora tá cum nois ! Dançô preiboi ! --- falou o outro.

--- Bora vazá maluco ! A parada tá ganha ! --- disse o terceiro montando na bicicleta, enquanto os outros dois saiam apressados atravessando a rua sumindo na direção de um posto de combustível próximo.

--- A gente se encontra lá no setô... --- falou o que estava na bicicleta, saindo em disparada na direção da rodovia movimentada que corta a cidade. Atravessando a Br sentiu algo enorme e negro, quando olhou viu apenas a massa com dois olhos brilhantes rugindo.

O motorista do caminhão foi pego de surpresa. Quando freou corpo e bicicleta já estavam em baixo do veículo que ainda percorreu cerca de cinqüenta metros antes de parar totalmente.

Os dois que correram ouviram o baque e a freada. Detiveram-se de repente e ficaram olhando de longe as pessoas que se aglomeravam, e sem precisar ver eles imaginavam o que havia acontecido. Uma viatura da polícia surge e eles então resolvem seguir andando, com frieza, como se nada tivesse acontecido.

O garoto assombrado com o acontecido segurava a mão da namorada que nervosa e aos prantos chamava para ir embora, enquanto o garoto olhando para baixo do caminhão viu o corpo estraçalhado e a bicicleta toda retorcida por baixo da roda traseira do pesado veículo.

--- A minha bicicleta ficou toda acabada. Do jeito que está não tem mais conserto --- disse o garoto a meia voz como se falasse para si mesmo.

--- Vamos embora --- falou para a namorada. Eles saíram andando lentamente enquanto a viatura encostava procurando pelo motorista do caminhão.

Walquer Carneiro
Enviado por Walquer Carneiro em 28/12/2010
Reeditado em 06/05/2017
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