O duro natal da infante
Dezoito horas e quarenta e cinco minutos, vinte e quatro de dezembro, movimento intenso na cidade, como é comum todo fim de ano e véspera de natal, com pessoas num vai e vem frenético pelas ruas, como formigas, entrando e saindo das lojas num clima daquele instinto natalino selvagem onde todos pensam somente em comprar sem saber ao certo para quê ou porque.
Em meio a confusão de gente, automóveis e equipamentos de som anunciando tudo aquilo que as pessoas menos precisam a menina estava atenta, como quem estivesse perdida e precisava achar. Suas roupas, uma blusinha de malha meio folgada e uma bermuda meio descosturada do lado , ambas as peças já desbotada por muitas lavadas. Nos pés uma sandália gasta no calcanhar, os cabelos maltratados porém bem arrumados, tudo incrivelmente limpos, inclusive ela própria, que exalava um leve aroma de leite de rosas. Olhando bem atentamente, apesar da simplicidade da personagem e das roupas ordinárias, havia uma certe harmonia no conjunto, todavia a menina apresentava uma palidez de quem não se alimentava muito bem, e no seu rosto não se notava o ar de inocência infantil, apesar dos seus doze anos.
A pequena ia passo a passo, devagar, pensando no presente que daria para sua mãe e o dinheiro ainda não tinha. Lembrou do olhar e da figura maltratada da mãe no barraco em que moravam juntos com mais quatro irmãos e o pai que a cachaça já tinha tomado conta pelo desgosto ao descobrir que a sua companheira se deitava com outros homens em troca de dinheiro.
Ela caminhou por mais alguns segundos e parou em frente a vitrine iluminada de uma loja de cosméticos e perfumes finos, fitando os frascos e caixas reluzentes enquanto em devaneios infantil raciocinava – Hum ! Se pudesse eu comprava um desses para minha mãe... – ela empurrou a porta de vidro e entrou pensando em olhar mais de perto o que ela via do lado de fora.
Quando penetrou no recinto sentiu logo um aroma maravilhoso da mistura de fragrâncias misturado ao frescor do ar refrigerado, uma leve embriaguês tomou conta do seu intimo e ela sentiu como quem flutuava saindo da realidade. Bruscamente ela despertou do seu sonho quando uma mão lhe tocava firme no ombro e uma mulher lhe perguntou asperamente: - Vai comprar alguma coisa ? –
- Não. Só tô olhando. – disse a garotinha.
- Bom. Então vai saindo porque aqui não é seu lugar. – retrucou a mulher, abrindo a porta e empurrando levemente a menina para fora.
Do lado de fora ela sente o ar quente fazendo-a sair do torpor, que tinha tomado conta dela momentos antes, trazendo-a para a realidade dura, fazendo ela lembrar o motivo porque ela estava ali.
Dezenove horas, a noite já se faz presente e o movimento barulhento prossegue no centro da cidade miserável, a menina esquece os perfumes e cosméticos e caminha um pouco mais apresada até se encontrar com um grupinho de quatro mulheres num canto escuro da praça.
A menina se aproxima e uma das mulheres, aparentando ser a mais velha diz:
- He muié! Onde é que tu tava ? – exclamou com impaciência.
- Tava ali olhando uns perfume.- disse a pequena sorrindo.
- Tá bom ! Perfume né? – replicou e mulher mais velha com cara de enfado e tom de ironia.
- Hum a rapariguinha qué andá perfumada ! Hém! – debochou outra mulher do grupo, essa mais jovem, uns vinte anos, vestindo uma blusa preta colada e com amplo decote, um minúsculo short e sandálias de salto extremamente alto.
- Eu num sô rapariga não! – disse zangada a pequena.
- O que é então? É santa é ? – rebateu a outra.
- Rapariga é nome muito feio.- balbuciou a menina.
- Mas é isso que tu é ! – disse a mulher mais velha. – E deixe de discussão, porque daqui a pouco os freguês estão chegando. – ordenou ela.
A menina, resignada, atende a ordem ponderando no seu intimo: - Amanhã é natal e eu tenho que dar um presente para minha mãe. Vou comprar aquele vestido na loja tudo por dez. – decidiu ela no instante que, rente a calçada onde ela estava, encosta um caminhão.
A mulher mais velha pega a menina pelo braço e a leva em direção ao veículo dizendo: - Olha aí moça, é com esse que você vai hoje ! – falou levando a pequena em direção ao caminhão que já estava com a porta do lado do motorista aberta, por onde aparecia a cara de um homem rústico que esbravejou em voz baixa: - Umbora, entra logo pra num dá na vista.-
A menina entra já pensando na agonia que será enfrentar aquele ser malacafento.
Enquanto isso o homem dando partida no caminhão pensa: - Eita presente de natal porreta ! E vai me custar só dez reais!-