UM CONTO DE NATAL
José Neres
Noite Feliz, noite feliz
Oh Senhor, Deus do amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na lapa Jesus, nosso bem
Dorme em paz, ó Jesus
Dorme em paz, ó Jesus
Ele ainda se lembrava do sabor do caríssimo champanhe Francês com que brindaram o último Natal. O ano anterior fora maravilhoso. Farto. Perfeito. Em alguns segundos, ele recordou o ar de felicidade da esposa, quando abriu o embrulho e se deparou com o colar cravejado de brilhantes. Esboçou um breve sorriso ao trazer à memória a cara de susto da filha que, dentro da caixa que continha o desejado celular de última geração, encontrou também um envelope com as passagens para a Europa. O filho do meio estava radiante com a quantidade de jogos eletrônicos que recebera. Nem ligou para as roupas caríssimas que estavam nos outros pacotes... O caçula brincava com os inúmeros brinquedos. Todos estavam felizes naquela noite. Cada filho se isolou em seu quarto, enquanto a esposa compensava com gemidos o presente recebido.
Mas, meses depois, uma crise desceu sobre a empresa. As dívidas se acumulavam e os credores protestavam por fax, e-mail, telefone e, pior, por intermédio de oficiais de justiça...
A filha teve de voltar mais cedo da viagem. O celular caríssimo já estava fora de moda e já não tinha um plano ilimitado, mas sim créditos mensais, de preferência com bônus. Os jogos e brinquedos foram deixados de lado. O colar acabou, juntamente com outras jóias recebidas em outras datas festivas, penhorado na Caixa Econômica Federal...
Então é Natal, pro enfermo e pro são.
Pro rico e pro pobre, num só coração.
Então bom Natal, pro branco e pro negro.
Amarelo e vermelho, pra paz afinal.
Então bom Natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
Então é Natal, o que a gente fez?
O ano termina, e começa outra vez.
E Então é Natal, a festa Cristã.
Do velho e do novo, o amor como um todo.
Então bom Natal, e um ano novo também.
Que seja feliz quem, souber o que é o bem.
A Voz da cantora Simone inundava o carro. Os presentes deste ano eram bem mais modestos: Um passeio pelo shopping, um lanche em um fast food, uma sessão de cinema e brincadeiras no parquinho eletrônico. Essa a festa possível.
No banco de trás, a filha, emburrada por não receber um novo celular, olhava a monótona paisagem. Os garotos, como sempre, brigavam. O casal seguia calado. Só a voz da Simone reinava ali.
Após o lanche, chegou a vez do passeio pelas lojas superlotadas. Pela primeira vez a esposa disse uma frase tão comum aos pobres mortais: “estou só olhando...”
Não havia mais ingresso para o filme que queriam. O que foi bom, pois sobraria mais dinheiro para os jogos. Depois comprariam um DVD no camelô, era mais barato e mais prático.
Começaram os joguinhos no parque. A princípio, tudo estava sem graça. Depois, cada ponto se convertia em brilhos no olhar. O brilho evoluiu para abraços e os gritos de vitória envolviam não só a família, como também os demais frequentadores do parquinho. Todos os problemas se esvaneciam diante da cumplicidade de múltiplos olhares.
Na volta para casa. A Simone vinha muda. Não precisavam mais dela. As conversas animadas preenchiam aquelas cinco vidas.
Em casa, brindaram com refrigerante e, à meia-noite, trocaram sorrisos e abraços. Os filhos estavam felizes. Nunca esperavam que naquele Natal ganhariam um Pai de presente.
No quarto, a sós, marido e mulher se despiram das máscaras e, nus, se presentearam com a essência do amor verdadeiro. Nesse Natal, ele aprendeu que gemidos de prazer são bem melhores que gemidos de gratidão.
O veneno comprado no dia anterior acabava de perder sua utilidade.