Ao cair da noite (Belial 2 Final)

Faz um mês desde a primeira vez. Estou na cama, nua, jogada de qualquer jeito e fumando como sempre. Do meu lado, no chão, mais um cadáver. Dessa vez era um Russo muito do mal educado, ele ainda tentou reagir, mas fui mais rápida e logo a jugular dele estava vazando como uma mangueira de jardim aberta. Vesti meu micro vestidinho apertado branco e meus saltos prata e parti.

Eu ainda não entendia muito bem o que se passava. Eu matava a tudo e a todos e nunca ninguém me via, as câmeras não me captavam, os funcionários não lembravam do meu rosto...era como se algo maior estivesse me protegendo, mas eu não estava interessada nisso. Estava apenas interessada em continuar tentando ao menos diminuir um pouco a dor de ter sido jogada de lado depois de tanto tempo de esforço. Cada vez que mato um amante, me sinto viva até a noite seguinte, quando preciso fazer novamente para esquecer. É como se fosse uma droga.

Quantos foram? Uns trinta? Mais? Não lembro, só sei que todos foram mortos do mesmo jeito: tiveram a noite de seus sonhos e depois a mesma faca que tentou me matar da primeira vez se entranhava nos pescoços brancos, negros, morenos e de todo imbecil sofredor que caísse em minhas mãos. Mas o que eu mais queria, era eliminar o maldito que me trouxe a esse inferno... Aquele que acabou com a minha vida feliz, com um único gesto egoísta.

Eu voltei pra casa como sempre, estava ainda em êxtase, um êxtase tão efêmero que passou como um raio quando eu liguei a secretária eletrônica. A voz dele, arrastada pelo abalo emocional, era ainda sim inconfundível. Ele chorava e implorava perdão nas treze mensagens que tinha deixado. Dizia que me amava, que havia sido um engano e mais várias outras besteiras. Eu comecei a chorar.

Me senti podre por dentro, como eu estava chorando pelo cara que acabara com a minha vida e ainda me tornara uma assassina? Isso não estava certo! Não era justo. Joguei a secretária longe, resolvi que agora era minha chance de apagar de vez essa dor da minha rotina e quem sabe voltar a ter uma vida normal. Me arrumei do jeito que tanto ele gostava, a calça de couro molhado bem justa dava um certo realce as minhas pernas, a blusa negra combinando deixava a barriga aparecer apesar de tapar os braços. O toque final era a maquiagem de festa e o salto de madeira. Peguei o carro e fui até o apartamento dele.

Ele não mudou a fechadura, como disse que faria, entrei sem fazer muito barulho apesar de aquela porta ser insuportavelmente escandalosa. Na mesa, várias garrafas de cachaça vazias, um cinzeiro abarrotado de pontas de cigarro e cinzas e um vidro de calmante tarja preta. No caminho até o quarto, havia sangue no chão, mas numa quantidade pequena e uma gilete perdida no caminho. Entrei no quarto, subiu aquele cheiro de maconha no ar, estava insuportável. Cheguei bem perto da cama e lá estava ele, coberto de vômito e com o sangue dos próprios pulsos.

A cena era deprimente e nojenta, mas não me intimidei, tinha que terminar esse último serviço para finalmente poder ficar em paz. Dei-lhe um beijo para que acordasse, seus olhos brilharam como os de uma criança quando ganha um brinquedo novo. Foi terrível, o gosto de cigarro, maconha e bebida tudo misturado me dava uma ânsia de vomito absurda, mas eu tinha que segurar, eu tinha que agüentar aquela era a minha última e mais difícil provação.

Quanto mais ele me tocava e me pedia perdão, mais repulsa e nojo eu sentia dele. Era uma cobra asquerosa que devia ser destruída a todo custo, assim como todas as outras que vieram antes dele. Transamos, o fiz chegar às nuvens rapidamente, ele chorava de felicidade e eu sorria para ele sempre, como se aquilo tudo fosse real. Ele pediu perdão por tudo, por ser fraco, por ser estúpido, mas nada daquilo me convenceu, ele seria sempre daquele jeito. Minhas roupas estavam jogadas naquele micro inferno, eu estava apenas esperando a oportunidade.

Ele se levantou para buscar água, peguei o punhal que levava sempre na bolsa, estava quase na hora da execução. Ele voltou com o rosto triste, ajoelhou aos meus pés como um pecador quando vai cumprir penitencia aos pés da cruz e confessou que havia feito a maior besteira de sua vida e que nunca imaginaria que eu fosse perdoá-lo. Disse que seria meu para sempre e que eu teria uma vida de rainha nas mãos dele.

O abracei, ele me abraçou de volta. O calor do seu corpo por um momento quase me fez esquecer o que eu havia ido fazer. Um minuto depois, a faca atravessava a garganta dele. Suas últimas palavras foram “Eu juro que te amo” que por acaso, não convenceram. O larguei no chão, frio, e fui olhar as estrelas. Desde que me lembro, o céu daqui parecia sempre ser mais iluminado, mas hoje percebi que era coisa da minha cabeça. A dor que me consumia se foi, mas em seu lugar uma melancolia profunda se instalou e eu comecei a chorar desenfreadamente.

Meu desespero era enorme, eu sabia que havia feito a coisa certa, mas dentro de mim algo gritava que ele me amava de verdade. Esse turbilhão de sentimentos foi ficando cada vez mais intenso e a essa altura do campeonato eu já não sabia o que era certo e errado. As idéias iam ficando confusas, as vontades deixavam de existir e apareciam do nada, fui perdendo a consciência para algo que com certeza não era humano... Quando comecei a entender o que havia feito, era tarde. O remorso e a loucura me consumiram até que eu decidi que melhor final para aquela tragédia seria junto a ele no inferno.

Seguido desse pensamento, me atirei do quinto andar para morrer e sonhar que estava apenas dormindo nos braços dele.

Inari
Enviado por Inari em 22/12/2010
Código do texto: T2685252
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