Concerto ao Conta-gotas
O céu se transfigurava em um negrume e os únicos luzeiros eram os contidos nas estrelas que habitavam galáxias e constelações, e que também reverenciavam o solo com seu titilar magnânimo e instável. Chorava. Caiam lágrimas do céu junto da mulher que caminhava perante o nevoeiro à sua volta, já não sabia se as brumas eram do vapor da chuva quente ou se fazia parte do espaço esvaziado em sua mente estereotipada a se manifestar ao seu lado numa companhia incontrolada, em uma rua fria e deserta de uma cidade abandonada no maior horário dos loucos pelos braços de Morfeu.
A lua banhada pelas nuvens avermelhadas conseguia aparecer ao céu em sua maior parte. As estrelas como sentinelas caiam como magia no aguadeiro, e ela, a mulher a caminhar, ensopada, olhava para cima e não sabia explicar muito bem o que ali acontecia. Casamento das viúvas revoltadas não poderia ser, isto era questão de sol com chuva em uma mistura heterogênea, chuva e lua não traziam um sentido muito claro, não ao menos até aquele momento inciso.
Num instante, como num espelho, ela se encontrou. Não era o reflexo, mas quem ali estivesse poderia jurar de pés juntos que era e que fazia parte de uma cópia selvagem. Em exclamações curtas, a primeira mulher perguntou o que a outra fazia ali, e a evidência e confirmação de que a segunda era real consolidara-se: os reflexos não respondem, nem conversam com as imagens diretas neste colapso empapado de superfícies nada cristalinas.
Respostas secas seguiram o cursar ríspido da miragem dos pingos que caiam pelo asfalto mal acabado. E por um instante a primeira mulher sentiu-se tão por fora do assunto como que também pela figura daquelas capas sedosas e antigas a deslizar pelas vielas perigosas de uma cidade tão meticulosamente perigosa e movimentada. O luar avermelhado no seu patamar celeste respondeu em qualquer lugar das palavras. Era uma confirmação daquelas mandíbulas perigosas a tremer. “Amaldiçoaram-me, fui amaldiçoada com todos os rogares dos desventurados prazeres”.
Num suspiro e num olhar compreensivo e quieto semi-circundante à esfera lunar, a bruxa que primeiro percorrera os solos espiou-a pelos ombros, sutil, com uma sede dos olhos que a inoculavam qualquer inquietação e tranqüilidade, ligados por um fio de paradoxo ao mesmo tempo de forma inacreditável, posou-lhe também mãos carinhosas e de afeto aos ombros e disse com uma voraz volúpia para que se acalmasse. Vendo que continha pelas metades o desespero, moveu então as armas secretas da língua, acionada pelos dispositivos secretos da profunda máquina de carbono, denominada cérebro. “Acalma-te, pois aquele que amaldiçoa não passa de um tolo, Já que se esquece de que antes de tocarem os corpos alheios, os rogos e pragas têm de sair do seu próprio interior, e é pra lá que tendem a voltar, para o lar doce lar, e carregadas com maior pesar e sofrimento”.
Por um momento a chuva parou. Ela finalmente compreendera o que diziam lua e chuva ao mesmo instante e num mesmo afresco.