As Fases do Sol
As Fases do Sol
Gênero: Drama
Conto dividido em 3 fases.
Fase 1
Quando ele chegou em casa, ao entardecer, o sol estava mergulhando no horizonte longínquo sobre o mar.
Morava ao lado do porto, de onde freqüentemente saíam e chegavam dezenas de embarcações todos os dias. Naquela tarde quente, ele resolveu seguir até a pontezinha de madeira, antes de entrar. Costumava sentar na beirada e sentir a brisa fresca, sobretudo a maresia. Contudo, naquele dia, para sua surpresa, já havia alguém sentado lá. Ele se aproximou cauteloso, sem desviar os olhos do estranho. Era um homem de idade, com cabelos brancos e rugas no rosto, suficientes para ter visto verões demais. Estava sozinho, apenas com sua bengala. E se algo podia brilhar mais do que o sol, refletido no balé das águas, esse algo eram os olhos dele. Olhos que pareciam carregar toda a tristeza do mundo. Aquele senhor baixinho e simpático, que andava encurvado era seu avô. Pai de seu pai. Ele não o via há muitos anos, desde que ainda era criança. Mas o reconheceu imediatamente pelo sinal que ele tinha no pescoço. Exatamente como o seu. Mas a pergunta era: “O que ele fazia ali?”
Não fazia idéia de quando ou como ele chegou. Mas sentia profunda pena daquela pobre criatura. Foi a primeira vez que conheceu esse sentimento devastador. Realmente é como dizem: parece que nunca vai terminar. Era como se ele sentisse sua dor, uma vez que estavam próximos demais.
- Posso me sentar? – perguntou o rapaz, enquanto se abaixava ao seu lado.
Então o senhor percebeu a presença dele e uma alegria invadiu seu olhar.
- Sou eu, vô!
- Sim, sim! Marcos! Fico feliz em poder ve-lo de novo.
- Quando foi que o senhor chegou?
- Cheguei pela manhã. Sua mãe me disse que arrumou um trabalho na cidade.
O rapaz confirmou com a cabeça.
- Fico orgulhoso de você.
Ficaram em silêncio por indeterminado tempo. Observando um barquinho que atravessava o brilho alaranjado do crepúsculo.
- Está tudo bem com o senhor? – perguntou finalmente
- Bem... Tudo é muita coisa, não? – ele sorriu
Marcos ficou confuso, mas refletiu que nem tudo estaria indo bem.
- Então o senhor veio só para nos ver e já vai embora?
- Eu vim buscar uma lembrança sua.
- Uma lembrança? – perguntou o rapaz curioso e o avô suspirou.
- A última conversa que tive com seu pai, foi quando... Ele brigou comigo. Foi na mesma noite do acidente... Na mesma noite que mataram meu filho. – então lágrimas brotaram de seus olhos. Lágrimas que a muito estavam aprisionadas.
- E eu queria... Queria que, antes de morrer, a última lembrança do meu neto fosse algo bom. Algo como estar aqui assim. Sorrindo...
- Mas o senhor não está feliz nem um pouco, não é? Depois do que aconteceu... com o papai.
Ele sorriu.
- Sou um homem velho já. Viva sua vida. Você ainda tem muito que viver.
O silêncio voltou.
Aquelas eram palavras de um homem amadurecido pelo tempo. De um homem que tinha vivido toda a glória de sua vida. Como seria afinal? Saber que todos os grandes sonhos, todos os grandes feitos tivessem simplesmente terminado e restasse apenas ter que aguardar o desfecho final? Seria assim a velhice? Bom... Era o que ele transmitia. Mas no fundo ele estava certo, não? Nem tudo pode estar bem, uma vez que você viu o tempo passar. O tempo é precioso. Você pode cair e levantar de novo. Você perder e continuar a tentar. Mas pra isso você precisa de tempo. Todos nós precisamos. E ele sabia disso. Marcos sabia que a vida do avô deixara de ser vivida, como a sua vida, de forma linear, brindando cada novo dia. Era como se agora aquele velhinho vivesse de forma regressiva, onde cada dia fosse um degrau a menos na escada rumo à morte.
- Vou ser pai. – Marcos falou de repente, sem muita certeza de que era a notícia mais adequada a se falar.
Seu avô enxugou os olhos e então sorriu.
Em vida, aquele foi seu último sorriso de verdade.