O OPORTUNISTA

Em Porto Alegre, sul do Brasil, um editor convencera uma senhora que aparentava uns 75 anos, doente, quase entrevada, que quase não saía de casa, a editar um livro de versos rimados, que era o que ela sabia lidar em Poética, segundo lhe disse o fazedor de livros.

Propôs-lhe, então, que mandasse fazer uma edição de 1.000 exemplares, sob o argumento de que era fácil vender livros. Que tinha muitos amigos. Ela reclamou-lhe do alto custo que teria de pagar. Apesar de há mais de trinta anos pertencer aos quadros do movimento associativo-literário, Carlinda não era muito assídua aos eventos nem quando mais jovem, de modo que era pouco conhecida.

José Carlos, um estudioso de literatura metido a crítico literário, não tivera mais notícias da poetisa desde o lançamento do livro, nem de como se dera o caminho percorrido pela obra: sua distribuição aos pontos de venda, comercialização, pagamento de direitos autorais e outros correlatos. De repente, a notícia: Carlinda falecera.

José compareceu ao sepultamento meio a contragosto, e, designado pela Casa dos Poetas da cidade, foi o orador fúnebre. Disse do valor da Poesia como gênero literário em que o amor predomina, do imenso amor que a infausta poetisa dedicara à associação através de atos em mais de 30 anos e relembrou sua contribuição literária ao movimento poético regional e nacional.

No dia seguinte foi ter com a família, que, apesar de cinco pessoas, um cachorro e dois gatos, moravam num chalé de quatro peças bem pequenas, sem pátio. Mostraram-lhe a casa e o encaminharam ao quarto onde, por mais de quatro anos, penara a boa alma que fora ter com o Absoluto.

Debaixo da cama, por entre muito pó, veneno para ratos, cupins e traças, havia um amontoado de livros novos, capas tomadas de mofo, páginas amarelecidas pela umidade e falta de luminosidade, constatou o entendido em literatura. Estão neste mesmo local há uns três anos e são mais de novecentos exemplares de seu livro de lindos poemas, diz um moço que chegara apressado e nem cumprimentara os presentes. Todos eles imprestáveis devido à ação do tempo e da imprevisão, completa o jovem, tentando amainar o embaraço que ficara no ar.

Consternado, voz embargada, apresentou-se como o único filho, e convidou o analista literário para ir à salinha de estar da finada. Ao lado da cadeira de rodas, em cima da escrivaninha, aberto e amarrotado, havia um boleto de cobrança da editora, junto a uma carta muito bem escrita, comunicando que o livro da mãe havia sido premiado em João Pessoa, no Estado da Paraíba, nordeste brasileiro, como o melhor livro de poemas daquele ano.

– Do livro O NOVELO DOS DIAS, 2010/17.

http://www.recantodasletras.com.br/contos/2669595