Sobre não acreditar
Na desesperada necessidade de me sentir vivo, quero estar doente. Sentir meu organismo reagir ao vírus. Quero ver que ainda há reação no meu corpo. Sinto prazer em saber que adoeço, mas que posso me curar. Sentir dor me acalenta e me desapega de tantas amarras físicas, supérfluas, que me prendem ao chão. Mas ao passo que quero perder sangue e sentir que ainda há pulsação no meu coração frio, tenho um medo imenso de que isso tudo acabe de repente. Não pode ser assim, a dor tem que persistir a me manter vivo nessa morbidez que me consola dos males das relações humanas. Não sou hipocondríaco, apenas tenho uma vontade enorme de me manter aceso. Nem que para isso eu precise me queimar várias vezes.
Há em mim todas as incertezas do mundo. Há em mim, absolutamente, as mais paradoxais contradições. Há o calor da pulsação do sangue nas minhas veias, assim como há o gelo que cessa uma hemorragia no meu peito aberto. Há um caminho a ser percorrido sem sinalizações nem iluminação. E acima de tudo, a intolerância, a impaciência, a cólera, o ceticismo, o ateísmo. Por não crer nas utopias e devaneios da humanidade, custo a crer nas pessoas. Ao passo que, nem mesmo em mim eu creio mais. Mas não me sinto mal por isso, pelo contrário. Privo-me das ilusões irrisórias que povoam o imaginário daqueles que precisam de explicação para o inexplicável.