O conto-do-vigário
Bonita e bem-sucedida, não entendia porquê estava sozinha fazia tanto tempo. Tudo bem que os homens de hoje em dia estão mais desencanados com essa história de compromisso sério que antigamente. E olha que já era difícil fisgar um partidão. Do jeito que as coisas vão, até um partidinho já daria pro gasto. O problema é que nem esse ela estava conseguindo.
Não é que fosse incompetente, tinha um baita emprego e acabara de quitar seu carro e comprar um apartamento, tudo isso antes dos trinta. Num país como o Brasil, era um feito! Com um corpo malhado, formada em engenharia, bem-humorada e cheia de amigos, não entendia a razão pela qual a coisa não ia adiante na parte sentimental.
Desde o término do relacionamento com Marcão que ela está assim, a ver navios. No começo, até rolava uns ficas. Virou presença confirmada em festas de fim de semana. Estava tão viciada em beijar diferentes bocas que começou a virar presença confirmada da semana inteira. Barzinhos. Cerveja. Caipirinha. Gatinhos.
Com o tempo, foi-se enchendo daquilo tudo. Até porque suas amigas foram se aquietando, outras casando e ela foi ficando... Resolveu que faria a viagem dos sonhos. E como determinação nunca lhe faltou, embarcou.
A Itália dispensa comentários. Visitar uma cidade como Roma faz com que as pessoas entrem num livro de história. Viver nela então deve ser um show a parte. Passar diariamente por monumentos como o Coliseu, o Panteão, deve dar outro sentido à vida. A Piazza di Spagna é uma bela homenagem à Espanha, pois é ali que está localizada a embaixada espanhola. Bela porque é conhecida internacionalmente por ser palco de incontáveis desfiles de moda, cujos ateliês aglomeram-se aos seus arredores e para completar, são frequentados por inúmeros modelos de passarela
A cada esquina, uma surpresinha de saltar os olhos. Até que os dela se depararam com o que classificou de o monumento mais significante, os Carabinieri, largamente retratados nas produções literária e artística romanas. São uma das quatro forças armadas da Itália, o que lhe fez ter pensamentos obscenos, embora não fosse fã de homens fardados. Parecia que selecionavam apenas os mais lindos para fazer parte da corporação. A próxima etapa era vesti-los com uniforme Armani e dar-lhes umas Ferrari, para fins de trabalho. Definitivamente não era para qualquer um. Os menos lindos eram selecionados para outros setores e os feios, bem esses eram deportados, literalmente. Era difícil ter certeza de que todos os caminhos levavam mesmo a Roma, mas que todos os caminhos de Roma levavam a homens esculturais, disso ela não duvidava.
Estava tão legal passear por lugares que só via em filmes, até então. Mas assim mesmo pesavam-lhe pensamentos sobre solidão. Não era romântica a ponto de cogitar um relacionamento ali, mas uns beijinhos, que mal faria? Além do mais eram tão lindos, e tantos! Numa festa – deveriam ser maravilhosas – seria só fechar os olhos e puxar um, qualquer um! Daqueles nem tinha na sua cidade!
No ônibus da excursão, exceto duas amigas, a maioria era de casais em lua de mel. Não demorou muito para que as três pudessem puxar assunto, descobrir coisas em comum e curtirem o passeio juntas. A viagem tornou-se menos solitária e claro, mais divertida. Faziam compras juntas, almoçavam juntas e claro, paqueravam juntas. Amigas de infância!
O engraçado é que ela queria um pouco de azaração lá sim, afinal, ninguém a conhecia e sabe-se lá quando voltaria ali outra vez. Era preciso curtição. No Brasil não, ela queria estabilidade. Talvez inconscientemente, ela já partira com esse propósito, ou nem quisesse ninguém sério, era mais pressão da sociedade. Ou talvez quisesse fugir, esquecer de que a única parte bagunçada de sua vida era aquela. Não dependia só dela colocar a “casa” em ordem. Todo o resto, o que realmente só suas mãos podiam construir, ela o fez. Mas relacionamento precisa de duas pessoas para começá-lo e do comum acordo para consolidá-lo. Está bem, pelo menos para levá-lo adiante um pouquinho.
Lá vem esses pensamentos de novo martelar sua cabeça. Solidão é tão comum nesses tempos contemporâneos. Já dizia um poeta, que a solidão é o mal do século. Qual o problema? Ela não estaria sozinha nesse barco. Realmente não estava. Havia sempre muitas pessoas ao seu redor, mas ela continuava se sentindo triste, incompleta
Bem, estava anoitecendo e era seu último dia de viagem, a realidade estava mais próxima que dezoito horas. Decidiu sair para uma danceteria, a mais badalada que estivesse funcionando naquele dia, domingo. Iria se despedir com chave de ouro! As meninas toparam lhe fazer companhia. Ótimo. Então é melhor correr e voltar para o hotel, porque tem que dar tempo de tomar um banho, se emperiquitar toda e curtir muito a noite. Essa história de deixar as oportunidades passarem não está com nada, time is money!
Correram para pegar um taxi e nenhum parava. Que loucura! Até que um lhes avisou que, naquele país, taxi só ligando para a central mesmo, senão passariam o resto da noite ali, tentando parar um carro. Mas nem tinham o telefone e esqueceram de perguntar ao taxista. Só turistas em volta. Que droga, o tempo está passando! Tinha que chegar relativamente cedo, ou suas chances diminuiriam bastante. Ela queria muitas chances, queria poder escolher, analisar, se divertir e não chegar quando todos já estivessem acompanhados. Fim de festa não era com ela, com todo aquele curriculum, ser a última opção numa festa também não dava, né? Ela tinha suas ressalvas. Até que um taxi se aproximou. Quando de fato parou, era uma mulher, bonita até, e perguntou se elas precisavam de seus serviços. Tinha lhes visto gesticulando, gritando na calçada e resolveu acudir. Aquilo não era certo, mas lá, o que era certo? Até as leis de trânsito não passavam de sugestões! Ninguém precisava saber que ela não veio da central de ligações...
Elas disseram em que hotel estavam hospedadas e que queriam muito, muito mesmo sair para badalar um pouco. Uma contou que acabara de se divorciar, a outra que foi a convite desta amiga e ela, bem, nem era de pegação, mas aquele lugar pedia um pouco de animação, até porque ela estava na seca fazia um tempão. A melhor danceteria da cidade, não importava o preço! Melhor, leia-se a com mais homens sarados, esculturais e “típicos”. A taxista sorriu, parecia simpática e disse que sabia sim, de uma casa noturna badaladíssima e que ela própria iria para lá, pois aquela era sua última corrida do dia. Mais perfeito só depois que estivessem lá!
Como combinado, a taxista buscou-as no hotel e levou-as para o tal lugar. Realmente, era de parar o trânsito, de tirar a respiração, principalmente de quem há tempos nem ofegante ficava. Não sabiam se olhavam para os carinhas encostados nos muros ou se prestavam atenção na fila da bilheteria, outra sensação. Quando entraram, nossa, coisa de outro mundo! Serviam salgadinhos dentro da festa! De graça! Legal! Os homens? Pareciam ter saído de um desfile Armani ou de um editorial da Vogue. Não sabiam para quem olhavam, estavam deslumbradas. Aquela viagem fora a idéia mais grandiosa que tivera nos últimos tempos! Entendera, de fato, porquê Roma fora e ainda era o lar dos deuses.
O tempo foi passando e enquanto uns olhavam, outros aparentavam ser inatingíveis. Essa historinha de “você é muito boa para mim” ela já conhecia de cor e salteado. Agora, “eu sou muito bom para você” é demais, né? Seriam os homens iguais até do outro lado do mundo? Será que mudavam só de endereço mesmo? Bem, ela resolveu ir ao banheiro, era tempo de a bebida fazer um pouco de efeito, caso ninguém fizesse nada, ela tomaria uma atitude - se quem tem boca vai a Roma, quem está em Roma deveria usar a sua em todas as formas e traduções - lembrava-se que lá ninguém a conhecia, podia ousar à vontade, uma vez na vida não mata.
A fila nem estava grande, mas havia algo estranho. Duas mulheres entraram juntas no mesmo banheiro. Ela percebia essas coisas enquanto lavava as mãos. Parecia que todos achavam aqueles comportamentos normais, coisa de primeiro mundo, vai saber. Lá na pista de dança, as outras duas mexiam seus esqueletos à la brasileira, dançando techno com passos de funk carioca. O negócio era ressaltar o diferente e chamar a atenção dos gatinhos! De repente aparece a taxista, com dois homens lindos e uma mulher. Apresentou-os às meninas como seus amigos. E saíram rindo. Elas ficaram sem entender.
O tempo ia passando e ninguém ficava com ninguém, nem os nativos e muito menos elas. Na verdade, nem paquera rolava direito. Estranho, os caras na rua só faltavam pular em cima delas, mas ali estavam, digamos, comedidos. Ela foi ao banheiro passar um batonzinho, arrumar o decote, esses detalhes que fazem toda a diferença. Ao voltar, as meninas estavam intrigadas: viram dois homens lindos dançando, um passava a mão no cangote do outro e iam até lá embaixo, se esfregando. Aquilo estava mais ousado que os passos de funk, então compreenderam que a dancinha delas não tinha causado impacto algum... fraquinha mesmo.
De repente, começa uma dança no queijinho, onde a mulherada, em trajes menores, ou melhor, subtrajes, dançavam de forma meio... não queria dizer vulgar, mas sensual, é essa a palavra! Logo após, algumas pessoas da platéia sobem no queijo e aquilo parecia extremamente divertido! Ela e uma das meninas criaram coragem e repetiram o gesto. Estava impagável, um esfrega geral, no entanto essa era a parte ruim, antes não fosse tão geral assim. A que ficou lhes fez sinal para que descessem. A taxista havia aparecido do nada, apontando para a mais bonita daquelas moças semivestidas, dizendo: a loira é minha noiva, não é linda?
Foi como se um balde de água gelada caísse na cabeça das três, especialmente a dela, que estava tão esperançosa em poder, pelo menos, levar uma lembrança mais apimentada para casa. Resolveram pegar um arzinho fresco lá fora onde a suspeita se consolidou. A festa perdeu toda a graça e ao irem embora, lembraram que não havia taxis, a menos que ligassem para a central.
E agora? Teriam que passar a noite lá, ou pior, na rua? Tinham que arriscar. Fizeram sinal e um taxi parou, sem muitos problemas. Vai ver era devido à hora e três damas estrangeiras estarem sozinhas, desamparadas. Ou vai ver era um tarado! Pelo menos era um homem bonito. Elas disseram o endereço do hotel e puxaram assunto. Ele era bem discreto, na dele, mas educado, respondia a todas as perguntas. Então o inevitável aconteceu: queriam saber sobre aquela danceteria da qual acabaram de sair. Era aquilo mesmo que estavam pensando? Sim. A mais famosa da cidade. E disseram que queriam beijar na boca, não estava claro que queriam um lugar repleto de deuses romanos para “pegar” e não para ficar olhando? Espera aí, será que a taxista pensou que eram... bem, estavam as três juntas, rindo... o Brasil tem uma cultura voltada ao toque, será que...? Ela nada tinha contra àquelas pessoas, as quais eram bastante disseminadas em Roma, inclusive vários de seus grandes amigos pertenciam àquele grupo, No entanto, pessoas como elas ainda não tinham sido extintas do planeta completamente!
Ao chegarem, a surpresa da vez foi com o valor a pagar: da festa para o hotel, um pouco mais da metade que o cobrado pela taxista ao fazerem o caminho inverso, algumas horas antes. Aquela taxista 171! Preferiu perder as novas amigas que as piadas! Às duas meninas sobravam dois dias, enquanto ela, bem, ela iria embora dali a umas horas, de manhã cedinho. A única coisa que lhe restou foi pedir o telefone do taxista para que ele fosse buscá-la a fim de levá-la ao aeroporto. E quem sabe no caminho... Não! Já estava parecendo tarada! Será que estava subindo para a cabeça? Iria procurar um psicólogo assim que aterrissasse em terras tupiniquins.