Eclipse
Elisa trabalhava num jornal da Capital. Expansiva, bonita e articulada, ganhava pontos junto ao editor, embora fosse recém egressa da Faculdade. Este fato suscitava certa inveja entre seus colegas que comentavam a desenvoltura da moça.
- Ela deve ter um caso com o editor, dizia Marta.
- É o tipo de mulher que faz qualquer negócio para vencer na vida, referia-se Otávio.
Alheia ao “tititi”, Elisa era designada para reportagens em áreas diversas e, normalmente, dava conta do recado. Ao final da tarde, foi chamada pelo editor.
- Elisa, tenho uma reportagem especial para você.
- De que se trata, Alfredo?
- Um eclipse vai ocorrer amanhã às 17 horas, e o local de maior visibilidade será o Cânion do Itaimbezinho.
- Conheço o local, é bonito e ecológico
- Bem, preciso que você vá cobrir e fotografar o evento. Uma revista científica internacional quer comprar as fotos.
- Já estou indo, disse sem conter um sorriso...
Resolveu ir até o micro e consultar informações sobre o eclipse. Descobriu a exata latitude e longitude onde ele ocorreria, que seria total e um dos mais luminosos dos últimos anos. Pesquisou sites meteorológicos para ter noção da previsão do tempo. De posse destes dados foi para casa e adormeceu.
No outro dia, já na redação, ouviu os comentários de sempre.
- Você tem sorte, hein, vai passear e cobrir um evento de rara beleza, disse Otávio.
- Nem sabia, ontem Alfredo me chamou...
- Boa sorte, menina, falou Otávio entredentes
- Obrigada!
Fingiu não ter percebido a ironia do colega e foi até o estacionamento onde pegou um carro. Cumprimentou o motorista , este já sabia do roteiro.
- Bom dia, seu Ernesto, então vamos passear
- Sim, dona Elisa, vamos pegar a estrada...
- Manda brasa, então!
Chegaram cansados, o local era distante da Capital. Como estavam no parque ambiental dos Aparados da Serra, apresentaram-se na guarita e foram liberados pela guarda. Estacionaram numa planície, de onde se vislumbrava o conjunto de montanhas com fendas esculpidas pela natureza. Pequenas cachoeiras nasciam das pedras, vales verdejantes completavam o cenário. Ao longe, via-se a praia de Torres e suas formações basálticas, além de um pedaço do litoral sul de Santa Catarina.
- Que beleza, exclamou Elisa.
- É muito bonito aqui, mesmo, disse seu Ernesto
Elisa resolveu clicar alguns recantos, enquanto não acontecia o eclipse. Deslocou-se até uma pequena vila próxima e entrevistou pessoas sobre como seria a vida num local paradisíaco. Aproveitou, também, para saber das condições de saneamento, atendimento a demandas básicas de educação e saúde e, por último falou do eclipse.
Constatou que naquela terra retirada e desassistida, pouca gente sabia deste fato. Alguns tinham luz elétrica e raros eram os aparelhos de televisão. Sentiu compaixão do povo e raiva dos políticos que prometiam tudo na campanha e, depois, tornavam-se invisíveis...
Aproximava-se o horário do eclipse. Lembrou da infância e dos vidros enfumaçados. Hoje, tinha um artefato ótico adequado que o jornal lhe fornecera. Recordou-se do medo e respeito que os humildes tinham do evento, dos animais se recolhendo, das crendices e superstições.
Então, pouco a pouco o disco solar foi sendo tomado pela sombra da lua.Uma dança cósmica teve inicio, com movimentos lentos e solenes. Elisa fotografava, em frenesí. Várias nuances, tons e semitons do negro resplandecendo a luz até apagar completamente o sol.
Agora, só restava um círculo escuro com um brilho estranho em segundo plano. Era, simplesmente, magnífico.
Largou da máquina fotográfica e abraçou o motorista. Este lhe retribuiu o carinho. Logo estavam se amando em meio à escuridão, alucinadamente. Amanhã vai ser outro dia, pensou, cantarolando mentalmente Apesar de Você e deixou-se nua a contemplar a Natureza...