Leal guardião
Vlad estava abaixado atrás de um arbusto alto, oculto nas sombras produzidas pela noite. Aguardava pacientemente olhando para a casa no centro do terreno; havia muitas luzes acesas lá dentro e ele captava sons diversos sendo emitidos do interior do lugar; muitas pessoas também se encontravam lá dentro, pessoas que ele conhecia; seus mestres estavam lá, junto com outras que ele jamais tinha visto. Todas conversavam e ele ouvia as vozes perfeitamente, mas não conseguia distinguir exatamente o que estavam falando.
O terreno ao redor da casa, por outro lado, estava completamente entregue à escuridão. Era um lugar amplo com muros altos cobertos por plantas trepadeiras nos fundos e com muitos arbustos na parte frontal junto ao muro e ao portão de entrada onde ele estava escondido sorrateiramente. Havia dois carros na garagem aberta; pertenciam a seus mestres, mas eles não tinham aparecido desde que os outros chegaram. Estava preocupado.
Os olhos vivos e penetrantes dele enxergavam perfeitamente na escuridão e Vlad sentia o cheiro forte de cada uma das pessoas dentro da casa.
O chão estava parcialmente umedecido por uma leve chuva que havia caído poucas horas antes e ele olhou para o céu, duvidoso, sem saber se voltaria a cair água ainda naquela noite. A chuva costumava atrapalhar sua capacidade de sentir os odores ao redor, e embora não fosse nada sério, ainda preferia noites mais secas.
Um vulto passou por uma das janelas frontais, se movendo dentro da casa; um dos estranhos, mas logo desapareceu. Havia cortinas cerradas nas janelas e isso não permitia a Vlad saber ao certo quem estava transitando naquele lugar da casa.
Ele ouviu o som de um carro que passou pela rua e teve de se abaixar um pouco mais para não ser visto; não queria ser visto ali, não podia ser visto ali. Estava preparado para qualquer eventualidade e seu instinto dizia que devia ficar escondido sem chamar atenção caso seus mestres precisassem de alguma intervenção rápida para defendê-los.
Vlad ouviu as risadas dentro do imóvel e enfiou a cabeça entre as frestas da folhagem dos arbustos para ver melhor outras partes do terreno. Fincou as garras no chão e rosnou baixo, quase de modo inaudível quando uma das pessoas, uma mulher, que ele não conhecia apareceu finalmente na janela, afastando as cortinas e olhando para o terreno do lado externo.
Ela disse:
_ Já parou._ Falou enquanto colocava a mão para fora pela janela.
O cheiro dela pareceu inundar todo o terreno e Vlad teve de se controlar mais uma vez para não saltar de trás do arbusto como um verdadeiro monstro e separar o braço dela do restante do corpo; nunca tinha atacado alguém com tamanha ferocidade antes, mas não podia correr o risco de que seus mestres ficassem tanto tempo dentro da casa com aquela gente desconhecida e estranha. Pensou em Mia, onde ela estaria agora, por que não tinha aparecido para falar com ele?
Mia tinha entrado na casa momentos antes da chuva começar, não tinha visto Vlad atrás dos arbustos, mas nem fez menção alguma de procurá-lo, o que não era muito comum nela. Mia sempre o procurava quando chegava em casa, mesmo que fosse apenas para dizer que tudo estava bem.
A janela permaneceu aberta mesmo quando a mulher saiu de lá e por ali passavam os sons dos sorrisos e conversas num idioma que ele não conhecia; tentou compreender, mas não era possível. Vlad só conseguia entender a voz de seus mestres e de mais ninguém; era assim desde que ele se lembrava. Sempre foi.
A voz de mia passou pela janela e chegou até o arbusto tão clara como se ele estivesse ao lado dela.
_ Vou lá fora. _ disse ela.
Vlad empertigou-se e se esgueirou para a moita ao lado; como uma sombra que troca de direção quando a luz que a projeta é mudada de lugar. Nesse novo esconderijo ele conseguia ver a porta frontal da casa. Se Mia fosse sair seria por aquele lugar.
Ele ouviu:
_ Antes de sair; traga a faca para mim._Era a voz de seu mestre, pai de Mia. Uma voz que ele conhecia muito bem.
Ao ouvir aquilo Vald saiu detrás do arbusto e correu pelo quintal com o máximo de cuidado possível para não ser visto pelos visitantes. Passou pela porta e pela janela aberta correndo como um monstro negro; não foi visto.
Nos fundos da casa ele colocou a cabeça na porta, espreitando; era uma porta de armação em ferro escovado e com vidros lisos que permitiam ver tudo dentro da cozinha; e retirou rapidamente quando viu Mia entrar no lugar.
Ela recolheu uma faca sobre a mesa, olhou para a lâmina girando-a e em seguida voltou por onde tinha vindo.
Vlad encostou a cabeça no vidro, ouviu os paços das pessoas dentro da casa. Correu novamente para o terreno na frente do quintal, passando pela garagem, mas procurando ser o mais sorrateiro possível.
Se ele pudesse falar, chamaria por mia e perguntaria quem eram aquelas pessoas estranhas, e o que estava acontecendo dentro da casa. Mas a fala não era uma das muitas habilidades de Vlad, tudo o que ele conseguia era produzir um indistinguível conjunto de grunhidos.
Voltando rapidamente para o arbusto ele se abaixou como um animal selvagem em posição de tocaia aguardando pacientemente até ser convocado para a caçada. De repente seus olhos foram atraídos para algo sobre a casa; criaturas voadoras giravam em plena noite ao redor do imóvel. Quando ia se levantar novamente para tentar um ataque mesmo sabendo que não seria eficaz, ouviu a voz de Mia novamente.
_Vlad! Venha até aqui.
Ela acabara de sair pela porta da frente. Vlad saltou de trás dos arbustos e correu rapidamente mostrando seus longos dentes caninos e com os olhos faiscando contra o reflexo da luz que vazava também pela porta.
_ Venha garoto. Isso mesmo._ Mia sorria tranquilamente enquanto pronunciava as palavras.
Vlad se aproximou dela com o rabo balançando freneticamente e com uma longa língua úmida pendendo para fora da boca. Mia passou a mão sobre a cabeça dele que tinha uma orelha em pé e outra caída.
_ Que cachorro mais bonito é você._ disse a jovem coçando a cabeça do cão que não recusou o afago.
Vlad era um belo cachorro grande e de pêlos escuros como a escuridão da noite, feroz para com pessoas estranhas, mas muito dócil para com seus donos, adorava receber carinho, principalmente de Mia.
Ela sorriu ao coçá-lo.
O cachorro se virou, estendeu a cabeça para trás e para cima, em seguida passou a lamber a mão daquela que o afagava como uma forma de retribuição pelo carinho.