O Mineiro

A cintura era cortada pela corda, as mãos estavam gastas pelas pedras, os pés machucados pelas paredes do túnel. Olhava ao seu redor e não via nada que pudesse amenizar a sua dor. Nenhum remédio, nenhum alimento. Nada de água, calor ou descanso. Só o frio, a sede e as lembranças. Por tanto tempo imaginou alcançar a luz do sol, senti-lo novamente na sua pele, que aquele momento seria, para ele, o mais especial. Seria. E sorri. Sorri pensando em tudo o que existe lá fora, esperando por ele, e em quão pequeno é o tempo que precisará esperar para ter o mundo novamente.

Ao sentir a corda subindo, todo seu sacrifício veio à mente. Um mineiro que, incessantemente, buscou encontrar a mina que lhe traria toda riqueza que sempre imaginou. Ela estava ali, à sua frente. Repleta de todo ouro que acreditava ser suficiente para realizar todos os seus desejos. Como que hipnotizado, o mineiro entra na mina e começa a trabalhar. Dias e noites se passam, metal se acumula, e ele se sente realizado. O mundo está lá fora esperando para lhe oferecer suas primícias... E seria assim, se em uma noite de chuva, mas também de muita alegria e comemoração, não fosse ouvido um estouro muito forte, de pedras rolando e fechando a entrada da mina. Assustado, percebe que está preso. Desesperado, busca por um sinal de luz. O amigo de longas jornadas e noites na mina acabara de sair em busca de alimento e um bom vinho para uma noite de festa. Gritou pelo seu nome, contudo podia ouvir somente o barulho da chuva batendo nas pedras.

Estava preso. Caminhou de um lado a outro, e constatou o que mais temia: não havia saída, estava agora confinado àquele túnel que escavara. Em pânico, tentou de todas as formas abrir uma passagem entre as rochas. As mãos sangravam, o coração palpitava, mas nada era capaz de trazer o mundo de volta. Os clamores pelo colega eram em vão, a chuva caía e o tempo tornava mais clara a sua situação. Estava preso, com todas as riquezas que conquistara mas sem condição de sequer poder usufruí-las. De que adiantaria, agora, ser rico? Ele refletia sobre a futilidade de todo aquele ouro, e conseqüentemente de sua vida. Em um instante, todas as portas abertas diante dele, e agora nenhuma passagem. Nenhum carro luxuoso, nenhuma casa grande, nenhum amigo, nem mesmo uma fenda entre as rochas. A quem ele poderia, agora, oferecer aquele ouro? Só a ele, a ninguém mais... Ou devolver tudo àquela mina, mesmo se mostrando tão hostil e ameaçando tirar sua vida a qualquer momento.

Em meio a seus devaneios um barulho. Seu amigo retorna e percebe a entrada da mina cerrada por uma grande pedra e muito barro. Por um instante seu coração se acalma. O colega investe na tentativa de abrir uma fresta. A chuva intensa torna seu trabalho árduo e sem sucesso. Angustiado, tenta se comunicar com seu amigo para que tenha certeza de que está vivo, mas a pedra e a terra impedem que o som se propague. Dentro da mina, a vítima espera que alguém possa trazer um resquício de esperança naquela cova escura e aterrorizante. Diante do insucesso, só restava procurar socorro, prolongando ainda mais aquela dramática espera, aquela agonia de um homem que havia perdido o mundo de diante de seus olhos. Eram dez horas da noite e seu amigo partia em busca de outros mineiros que pudessem ajudá-los.

Na madrugada , é possível escutar passos de homens apressados. Na mina, um choro contido, ainda cheio de esperança. Mineiros chegam até a entrada da mina e começam a cavar. A chuva , agora em trégua, permitia que fosse possível deslocar a maior quantidade de terra e pedras. Com pás , picaretas e muita força os homens trabalhavam. Depois de algumas horas, pararam diante de um enorme bloco de pedra, maior que qualquer um deles, e tão pesado que impedia o caminho apesar de quaisquer esforços com que aqueles dedicados trabalhadores tentassem salvar o companheiro. Sem desistir e com afinco os mineiros conseguem abrir uma fresta em meio ao barro. O tempo era curto. A chuva poderia voltar e destruir toda a contenção feita para a retirada da vítima. Pela fresta os trabalhadores jogam uma corda.

Mal chega ao fundo da mina, a corda é esperançosamente agarrada. Aquele homem já desesperado se prende à possibilidade de salvação que lhe foi literalmente arremessada. Quando sente que está firme, começa a subir. Cada metro percorrido aumentava sua alegria, pois sentia mais próximo o seu regresso àquele mundo cheio de oportunidades para ele. Uma vez liberto, trataria de aproveitar ainda mais os seus dias, desfrutando de seus bens, de suas riquezas, de tudo o que estava ao seu alcance. Esporadicamente, olhava para baixo e via só uma mancha escura na fraca luminosidade que penetrava pela abertura. A mancha se afastava, às vezes reluzia o brilho de algum dos metais deixados lá embaixo, e tudo se distanciando cada vez mais. À medida que a superfície lentamente se aproximava, também lentamente as lembranças do mundo se tornavam mais e mais reais. As mulheres, as festas, as bebidas, tudo já povoava sua mente em meio à subida. Lembrava de todos os momentos de prazer que tivera na vida, sem os quais ele não seria aquele homem que ali estava e...

- Qual a importância de tudo isso na minha vida?

A pergunta ecoou no seu coração e na sua mente, e ele se deu conta de que tudo aquilo não foi suficiente pra enchê-lo de alegria e felicidade real. Haveria paz e gozo sem o sincero amor? Raízes não havia fora da mina, então, para os braços de quem ele voltaria? Todo seu suor e força estavam ali, dentro da mina. Momentos de introspecção fizeram com que ele chegasse à conclusão de que os melhores momentos da sua vida aconteceram ali: ele, a mina e a segurança de estar consigo mesmo. Dado seu desespero, sua desolação frente ao que havia percebido em relação ao mundo que o esperava lá fora, não pode prosseguir com a subida. Parou, olhou lentamente para baixo e depois para o fino raio de luz que penetrava pela fresta. Pensou, refletiu... E depois de algum tempo tomou a decisão. Tirou o canivete do bolso, olhou para a corda em que se segurava e decidiu separar-se do mundo para sempre. Cá não era mais o seu lugar.

Escrito pela Rosa (Jane Lima) e pelo Cristal (Leandro Domiciano)

Leandro Domiciano
Enviado por Leandro Domiciano em 08/12/2010
Reeditado em 08/12/2010
Código do texto: T2659435
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