Conto Comigo

Minha memória estende-se aos recônditos da infância infame

onde sequer um nome me era atribuído, pois os filhos de minha mãe

proliferavam feito insetos numa tenra lavoura e, a tesoura do destino

nem se preocupou em amputar tal sorte, visto que o trabalho pesado

precisa de muitos braços e poucas esperanças de uma vida melhor.

Ainda lembro da fome que rugia em nossos estômagos maltrapilhos

que, de amizade carregava na barriga, algumas centenas de lombrigas

para disputarem as poucas migalhas que nos era servido uma vez por dia, quando a colheita do patrão era generosa.

Meu pobre pai saia todo final de semana para pescar talvez uma solução para a miséria de sua vida e de suas crias que mal podia sustentar.

Obviamente levaria uma boa companhia para ajudar com suas grandes idéias, e com ela traçavam mil planos para apanhar os peixes e, de como seria diferente se já fossem crescidos os filhos e pudessem conduzir suas próprias vidas.

Mas, numa noite em que os peixes não quiseram acordar, meu pobre pai incitado pela amiga que sempre lhe acompanhava, entrou no rio para resolver a questão. No outro dia foram encontradas apenas as garrafas que serviam de vestes ao aguardente ingerido e, essa que foi a última companheira de meu pai, deu-lhe também o último beijo na despedida.

A viúva de meu pai muito chorou e desesperou e finalmente achou uma solução.

Como não tinha muito entendimento, resolveu deixar seus filhos com quem tivesse melhor conhecimento da questão, pois ela ainda era jovem e com certeza ainda poderia recomeçar a vida.

E foi assim que fiquei muito tempo sem ter família, sem saber se tinha ou não irmãos.

A viúva do meu pai casou-se de novo e teve com o outro marido, mais filhos que havia tido com meu pai, portanto tenho agora mais irmãos do que tinha antes.

A miséria não me matou, mas, a tristeza rompeu meus alicerces com a crença de que existe um deus que salva as criancinhas do mal.