CADA LOUCO COM A SUA HISTÓRIA!
 

Cada calçada tem um buraco e cada rua tem um poste e um louco!
 

Há uma linha tênue, frágil, entre o trágico e o mágico nos andarilhos lunáticos que enfeitam certos pontos da cidade. Maltrapilhos, barbudos geralmente, alguns jogados à própria sorte (sorte?) por motivos conhecidos, uma boa parte deles ao sabor do destino que não tiveram coragem e nem estrutura para modificar.
 

Cada um tem uma história que os motivou a abandonar os princípios básicos da dignidade humana, outros até fazem absoluta questão de não recordar nada! Seguem inertes e vivendo cada dia como se jamais houvesse qualquer fato ou ponto de partida que os trouxesse a atual e cruel realidade.
 

Geralmente são moços ainda, fato normal entre os loucos de rua, a maioria não chega a ficar velho!
 

F.V. era um louco de rua que muito embora não tivesse consciência do que realmente o jogara na calçada da vida, ainda guardava na memória, no entanto, a certeza de que era xará de um ilustre escritor, ferrenho defensor da reforma social, e ele, assim como o seu homônimo famoso, fazia questão absoluta de ser polemico e satírico.
 

Não sabia, ou fazia questão de não lembrar que a droga o deixara naquele estado, lembrava-se muito bem das suas músicas que freqüentaram o topo das paradas de sucesso, e de quando circulava pelo ÓBVIO, BALCÃO DE PEDRA, CLAVE, ACONCHEGANTE, barzinhos do bairro de Santa Cecília, em São Paulo, freqüentados por poetas e cantores da noite, insistindo em apresentar suas músicas harmonicamente muito bem elaboradas, com letras que apenas ele entendia, (era melhor musico que letrista), bem diferentes das musicas de sucesso que lhe proporcionaram fama e  um bom dinheiro!
 

E quanto mais sucesso, mais dinheiro, mais droga, e a inconseqüência de enveredar por um caminho sem volta! Era fã de Baudelaire, e fazia tudo, quando ainda escrevia, para moldar a sua imagem à do poeta maldito!
 

Nos últimos tempos antes de virar um mendigo andarilho, não conseguia pegar no violão sem um baseado na mão, e não demorou muito para partir para as drogas mais pesadas! Mas não conseguia admitir, que já estava misturando as estações, de repente no meio de uma conversa, do nada ele começava:
 

Eles estão observando a gente, estavam me seguindo! Vamos sair sem dar bandeira, pode ser muito perigoso! Toma cuidado é um complô, eles estão armando pra gente!”
 

Ao tomar conhecimento do seu estado de quase insanidade total, seu irmão que morava no Rio de Janeiro, enviou-lhe uma passagem para que ele voltasse para o Ceará. No entanto a paranóia aumentava:
 
“Eles vão derrubar o avião, eu não vou embarcar não!”
 

Estávamos nos anos de chumbo, final dos anos setenta, não se gravava nada sem passar pelo crivo da censura, e ele insistia em escandalizar, chamar a atenção, aparecer! E ninguém mais gravava suas músicas que começaram a ser muito politizadas e contestatórias e a bem da verdade, meio loucas. Ele era um “louco” consciente! Mas da genialidade para a loucura é um passo e ele estava mais para louco do que para gênio.
 

Com muita paciência eu o convenci a voltar para a sua terra, então eu o levei para a minha casa, lhe arrumei algumas roupas, fizemos uma música como nos bons tempos, e no dia seguinte pela manhã, deixei-o no Aeroporto de Congonhas.
 

Foi a última vez que eu o vi!
 

Uns dois anos depois fiquei sabendo que ele não havia embarcado e que voltara a pé do aeroporto até a Rua dona Veridiana, na Santa Cecília, e que continuava de um lado para o outro todo rasgado, dormindo sob as marquises e cada vez mais louco, e até hoje, passados mais de trinta anos, não sei que fim levou o meu parceiro.
 

Cada calçada tem um buraco, cada rua tem um poste e um louco, e cada louco de rua tem a sua história!

 

AC DE PAULA

escritor compositor

 


 
 
 

AC de Paula
Enviado por AC de Paula em 02/12/2010
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