Comida cozida não brota
Em dias chuvosos como hoje, me ponho a pensar em minha infância e na minha mocidade.
Chego a ser redundante em externar o meu apreço e a minha admiração pela minha mãe – finada. Mulher de pouca maturação escolar, mas de grande traquejo nas transmissões de suas idéias. Ficava embasbacado ouvindo suas orientações.
Enquanto pude, nutri de alguns momentos ao seu lado – como companheira, já moço, entre um whiskey e outro - (na/ou próximo da) Rua Ramalhete (não me exija muita exatidão aqui, o leitor, pois a minha mente anda olhando vitrines enquanto trabalho), no alto da Av. Afonso Pena, no Funcionários, próximo ao Colégio Arnaldo, todos aqui em Belo Horizonte, na áurea decada de 70; ou na Raízes, a Cervejaria de Raposos.
Ela não bebia, mas ouvia e, dizia tudo aquilo que eu buscava ouvir. Minas, não tem mar, mas tem bar prá gente prosear.
Mas o que mais me remonta ao passado agora era a sua solidariedade. Em Sabará havia/há uma igreja - Santo Antônio de Roça Grande – que reunia um grande número de mendigos.
Próximo dali, um hospital-prisão ou asilo-prisão que abrigava os hanseanos setenciados, loucos e aqueles já se encontravam em avançado estado de acomedimento da doença, o Hospital dos Lázaros de Sabará.
As pessoas pedintes que circulavam entre o Hospital e a Igreja, quando da época do pagamento dos mineiros em Raposos e Nova Lima, desciam de trem para estas localidades, com o propósito de ganharem um pouco mais dinheiro, que aquele auferido no footing costomeiro.
A parada deles lá em casa era certa.Todo mês, eles batiam em nossa porta esperando a ajuda de minha mãe. Até matula para irem comendo no trem, quando havia, ela arrumava.
Indignado pela pontualidade mensal dos mendigos e pela condição parca de minha mãe, e também, pelo seu esforço em tentar ajudálos, indaguei-a:
_ Mãe! Por que esse sacrifício todo?
_ Por que a comida está pronta, meu filho! E comida cozida não brota; não adianta guardá-la: ou dá para as galinhas, ou serve ao próximo.