Entregando o jogo
Zelão
Quarenta e cinco do segundo tempo de um zero a zero sofrível. Para o time de Zelão o jogo não valia nada, mas para o adversário a chance de ir para a final. Acontece que o outro time da chave que lutava por essa vaga era arquirival do time de Zelão. A bola foi levantada da direita para a área e o zagueiro Zelão tinha muitas opções, inclusive existenciais. Pelo lado esquerdo da área o centroavante adversário vinha em velocidade. Enquanto a bola subia e iria atravessar a área para o lado esquerdo, Zelão zagueiro era o único de seu time que poderia interceptá-la antes que chegasse ao centroavante conhecido como 'matador' porque fazia gols de toda e qualquer maneira. No vestiário haviam duas malas: uma 'mala preta' e uma 'mala branca'. Frações de segundo para Zelão escolher: I) se projetaria de cabeça para a bola; a) desviando-a para a linha de fundo; b) desviando-a para uma das laterais; c) desviando-a contra o próprio gol; d) desviando-a para o meio-campo; e) resvalando apenas e deixando-a sobrar para o centroavante; f) saltando fora do tempo de bola e errando-a; g) amortecendo a bola para deixá-la quicar à frente dos pés do centroavante; II) fingiria escorregar deixando a bola passar para o centroavante; a) sem saltar; b) saltando com um pé no chão que fingiria perder apoio; c) cairia antes da bola chegar; d) cairia assim que a bola chegasse; III) fingiria estar tendo um ataque cardíaco; a) caindo agora que a bola ainda estava vindo; b) caindo assim que a bola chegasse até seu espaço; c) caindo assim que a bola sobrasse para o centroavante; d) caindo para a frente; e) caindo para um dos lados; f) caindo para trás. Assim que a bola vinha chegando para Zelão, o zagueiro esticou o braço direito e deu um tapa na cara do centrovante. Pênalti, o juiz apitou.
Xaveco
Ainda novo, 'cheio de gás', o centroavante era a revelação do campeonato. E aquela bola, se passasse pelo zagueirão ele mandava pro gol, isso ele tinha certeza. Era seu sonho ir à final, ser campeão, ir pra Europa, ganhar uma boa grana, ser estrela de um time milionário, titular da seleção, aparecer todos os dias nas melhores revistas esportivas...e farras à beça com a mulherada... Mas se o zagueiro chegasse antes, desfazendo a jogada, tudo isso 'iria pra cucuia'. Pôs toda a energia possível aumentando a velocidade e encontrou a mãozona do zagueiro no rosto. Caiu e ficou sentindo sangue na boca. Mas a satisfação era maior que a dor. Pênalti! Ele iria cobrar e se consagrar. Vislumbrou as manchetes do dia seguinte: 'Xaveco resolve e leva seu time pra final!'. Entrevistas a semana inteira,leilão do valor de seu passe, um contrato milionário e muito mais perpassavam novamente sua cabeça. Levantou-se, pegou a bola, colocou-a na marca de pênalti e ficou esperando todo aquele tumulto comum em penalidades máximas: reclamações, juiz cercado e tudo o mais. Quando o juiz, depois de expusar Zelão pela falta e o goleiro por reclamação e um jogador de linha assumir a posição debaixo do gol, Xaveco deu mais uma ajeitada na bola. O juiz autorizou a cobrança e Xaveco deu dois passos para trás e chutou com força. A bola 'descreveu uma paróbola' e embora o goleiro improvisado tenha ido para o canto certo a bola 'foi saindo' de suas mãos. Caprichosa e aleatória a bola bateu na trave e saiu pela linha de fundo. Xaveco colocou as duas mãos na cabeça em desespero.
Armando
Muitos anos apitando campeonatos e nunca tinha sido promovido. Essa era a chance de mostrar toda a sua técnica como árbitro. Um jogo daqueles era o que estava precisando em sua carreira. A bola estava sendo colocada na marca de pênalti pelo centroavante e Armando sentia paz na consciência. O saldo bancário havia tido um salto para cima antes do jogo e ele sabia de onde vinha aquela 'bolada', mas não iria reclamar com ninguém. Mesmo porque ninguém iria contestar suas decisões e também não houve necessidade de nenhuma atuação mais drástica que pudesse gerar alguma suspeita de quem quer que seja. O pênalti marcado era incontestável; a atitude do zagueiro tinha sido passível de cartão vermelho, conforme a regra; o goleiro havia reclamado 'acintosamente' e tinha sido 'bem expulso'. Agora era só esperar o centroavante fazer a parte dele (que demonstrara ser infalível durante todo o campeonato) e tudo o mais sairia conforme o seu 'script'. Quando voltou à realidade do jogo, viu a bola bater na trave e 'espirrar' pela linha de fundo. Olhou para o seu auxiliar na linha de fundo: ele não se mexeu. Tomou a atitude que poderia ainda reparar aquele desfecho que tinha se tornado trágico. Mandou voltar a cobrança alegando invasão da área antes da cobrança pelo time defensor. Após ser cercado pelo time que defendia, sentiu uma pontada no peito e caiu 'fulminado por um ataque cardíaco'.
Márcio
Embora fosse árbitro havia passado toda a sua carreira como 'bandeirinha', embora oficialmente fosse 'auxiliar de arbitragem' no papel. Era o árbitro reserva naquela partida e após todo o tumulto envolvendo Armando, seu colega de muitos anos, acalmados os ânimos, muito mais pela intervenção do policiamento, trilou o apito várias vezes mandando as equipes se arrumarem para nova cobrança da penalidade. Tinha sido pênalti, ele havia visto com rigor, mas tinha dúvidas quanto à invasão da área, mas o que estava marcado pelo árbitro era o que importava. Orientou o goleiro como mandava o costume quanto à sua ação na linha de gol. Verificou que não havia nenhum outro jogador além do batedor e o goleiro na área de gol. Viu o centroavante, depois de ajeitar a bola na 'marca fatal' dar dois passos para trás. Apitou autorizando a cobrança e acompanhou a bola. Observou o goleiro improvisado saltar para o lado direito, enquanto a bola rumava para o lado esquerdo e em seguida, com as pernas esticadas tocar com o pé esquerdo na bola. Acompanhou a bola mesmo assim indo para o canto do gol, tocar na trave, voltar um tanto amortecida para o meio da pequena área e o centroavante alcançá-la e mandar para as redes. Gol! ele demonstrou apontando um braço para o meio campo e correndo em direção a ele. Olhou para trás e o 'bandeira' continuava na linha de fundo, sendo cercado na sequência por jogadores dos dois times. Voltou até lá e Pedro disse-lhe que a bola tinha sido tocada duas vezes pelo centroavante ante de ir para as redes o que invalidava o gol e que teria de ser cobrada falta com tiro livre indireto a favor do time que estava se defendendo. Márcio pensou em ignorá-lo, pois tinha certeza de que a bola havia tocado um dos pés do goleiro improvisado, mas resolveu chamar Pedro para um canto para conversar separadamente com ele.
Pedro
Em fim de carreira depois de muito tempo como auxiliar de arbitragem, Pedro pensava no quanto seria ruim viver longe da proximidade com as partidas de futebol. Mas naqueles momentos ele pensava na 'mala' que poderia receber em sua casa conforme lhe fora prometido pessoalmente por um 'enviado de um dirigente'. Não pudera fazer nada que não pudesse despertar suspeitas durante todo o jogo e mesmo na hora do 'primeiro' pênalti não pudera intervir. E a chance última talvez, tinha sido a sequência do 'segundo' pênalti. Além do mais seu time do coração estava jogando em outra partida disputando a mesma vaga na final. Viu o juiz se dirigir para o meio-campo mas ficou ali, impassível, sabendo que a confusão tenderia a aumentar, "mas e daí" pensou, Armando havia recebido 'o dele' e a esse tempo devia estar nos infernos. Viu o policiamento afastar os jogadores de si e Márcio chamá-lo de lado. Reiterou sua posição de que a bola não havia tocado no goleiro ao mesmo tempo que Márcio elevava a voz dizendo que iria confirmar o gol. Ficou calado e voltou lentamente para o meio de campo.
Marcão
Como um veterano no futebol, primeiro volante na carreira toda, Marcão era 'capitão' do time. Isso era orgulho de sua mãe pois todos os seus irmãos estavam ou na cadeia ou foragidos. Naquela situação, 'macaco velho', Marcão não reclamou além da conta em todos os momentos. Porém achou que a tal de 'invasão da área' tinha sido uma sacagem do falecido juiz. Pegou a bola do fundo do seu gol e com ela debaixo do braço, quando o 'bandeirinha vacilão' voltou para o meio de campo, chegou bem pertinho de Márcio e quase tocando sua face na do árbitro disse bem claro: "Se você não der acréscimo de um cinco minutos e não der um pênalti pra nós eu vou mandar meus irmãos e os amigos dele dar um jeito em você e na sua família, falou?". O árbitro deu um passo para trás e em seguida sinalizou com uma das mãos abertas o acréscimo que o voltante intimidara-o a dar. Marcão levou a bola até o centro do 'caroço de abacate' e disse para o seu centroavante e o meia que estavam ao lado: "um cruza e o outro cai que o homem aí tremeu". E assim foi feito.
Zelão
Quarenta e cinco do segundo tempo de um zero a zero sofrível. Para o time de Zelão o jogo não valia nada, mas para o adversário a chance de ir para a final. Acontece que o outro time da chave que lutava por essa vaga era arquirival do time de Zelão. A bola foi levantada da direita para a área e o zagueiro Zelão tinha muitas opções, inclusive existenciais. Pelo lado esquerdo da área o centroavante adversário vinha em velocidade. Enquanto a bola subia e iria atravessar a área para o lado esquerdo, Zelão zagueiro era o único de seu time que poderia interceptá-la antes que chegasse ao centroavante conhecido como 'matador' porque fazia gols de toda e qualquer maneira. No vestiário haviam duas malas: uma 'mala preta' e uma 'mala branca'. Frações de segundo para Zelão escolher: I) se projetaria de cabeça para a bola; a) desviando-a para a linha de fundo; b) desviando-a para uma das laterais; c) desviando-a contra o próprio gol; d) desviando-a para o meio-campo; e) resvalando apenas e deixando-a sobrar para o centroavante; f) saltando fora do tempo de bola e errando-a; g) amortecendo a bola para deixá-la quicar à frente dos pés do centroavante; II) fingiria escorregar deixando a bola passar para o centroavante; a) sem saltar; b) saltando com um pé no chão que fingiria perder apoio; c) cairia antes da bola chegar; d) cairia assim que a bola chegasse; III) fingiria estar tendo um ataque cardíaco; a) caindo agora que a bola ainda estava vindo; b) caindo assim que a bola chegasse até seu espaço; c) caindo assim que a bola sobrasse para o centroavante; d) caindo para a frente; e) caindo para um dos lados; f) caindo para trás. Assim que a bola vinha chegando para Zelão, o zagueiro esticou o braço direito e deu um tapa na cara do centrovante. Pênalti, o juiz apitou.
Xaveco
Ainda novo, 'cheio de gás', o centroavante era a revelação do campeonato. E aquela bola, se passasse pelo zagueirão ele mandava pro gol, isso ele tinha certeza. Era seu sonho ir à final, ser campeão, ir pra Europa, ganhar uma boa grana, ser estrela de um time milionário, titular da seleção, aparecer todos os dias nas melhores revistas esportivas...e farras à beça com a mulherada... Mas se o zagueiro chegasse antes, desfazendo a jogada, tudo isso 'iria pra cucuia'. Pôs toda a energia possível aumentando a velocidade e encontrou a mãozona do zagueiro no rosto. Caiu e ficou sentindo sangue na boca. Mas a satisfação era maior que a dor. Pênalti! Ele iria cobrar e se consagrar. Vislumbrou as manchetes do dia seguinte: 'Xaveco resolve e leva seu time pra final!'. Entrevistas a semana inteira,leilão do valor de seu passe, um contrato milionário e muito mais perpassavam novamente sua cabeça. Levantou-se, pegou a bola, colocou-a na marca de pênalti e ficou esperando todo aquele tumulto comum em penalidades máximas: reclamações, juiz cercado e tudo o mais. Quando o juiz, depois de expusar Zelão pela falta e o goleiro por reclamação e um jogador de linha assumir a posição debaixo do gol, Xaveco deu mais uma ajeitada na bola. O juiz autorizou a cobrança e Xaveco deu dois passos para trás e chutou com força. A bola 'descreveu uma paróbola' e embora o goleiro improvisado tenha ido para o canto certo a bola 'foi saindo' de suas mãos. Caprichosa e aleatória a bola bateu na trave e saiu pela linha de fundo. Xaveco colocou as duas mãos na cabeça em desespero.
Armando
Muitos anos apitando campeonatos e nunca tinha sido promovido. Essa era a chance de mostrar toda a sua técnica como árbitro. Um jogo daqueles era o que estava precisando em sua carreira. A bola estava sendo colocada na marca de pênalti pelo centroavante e Armando sentia paz na consciência. O saldo bancário havia tido um salto para cima antes do jogo e ele sabia de onde vinha aquela 'bolada', mas não iria reclamar com ninguém. Mesmo porque ninguém iria contestar suas decisões e também não houve necessidade de nenhuma atuação mais drástica que pudesse gerar alguma suspeita de quem quer que seja. O pênalti marcado era incontestável; a atitude do zagueiro tinha sido passível de cartão vermelho, conforme a regra; o goleiro havia reclamado 'acintosamente' e tinha sido 'bem expulso'. Agora era só esperar o centroavante fazer a parte dele (que demonstrara ser infalível durante todo o campeonato) e tudo o mais sairia conforme o seu 'script'. Quando voltou à realidade do jogo, viu a bola bater na trave e 'espirrar' pela linha de fundo. Olhou para o seu auxiliar na linha de fundo: ele não se mexeu. Tomou a atitude que poderia ainda reparar aquele desfecho que tinha se tornado trágico. Mandou voltar a cobrança alegando invasão da área antes da cobrança pelo time defensor. Após ser cercado pelo time que defendia, sentiu uma pontada no peito e caiu 'fulminado por um ataque cardíaco'.
Márcio
Embora fosse árbitro havia passado toda a sua carreira como 'bandeirinha', embora oficialmente fosse 'auxiliar de arbitragem' no papel. Era o árbitro reserva naquela partida e após todo o tumulto envolvendo Armando, seu colega de muitos anos, acalmados os ânimos, muito mais pela intervenção do policiamento, trilou o apito várias vezes mandando as equipes se arrumarem para nova cobrança da penalidade. Tinha sido pênalti, ele havia visto com rigor, mas tinha dúvidas quanto à invasão da área, mas o que estava marcado pelo árbitro era o que importava. Orientou o goleiro como mandava o costume quanto à sua ação na linha de gol. Verificou que não havia nenhum outro jogador além do batedor e o goleiro na área de gol. Viu o centroavante, depois de ajeitar a bola na 'marca fatal' dar dois passos para trás. Apitou autorizando a cobrança e acompanhou a bola. Observou o goleiro improvisado saltar para o lado direito, enquanto a bola rumava para o lado esquerdo e em seguida, com as pernas esticadas tocar com o pé esquerdo na bola. Acompanhou a bola mesmo assim indo para o canto do gol, tocar na trave, voltar um tanto amortecida para o meio da pequena área e o centroavante alcançá-la e mandar para as redes. Gol! ele demonstrou apontando um braço para o meio campo e correndo em direção a ele. Olhou para trás e o 'bandeira' continuava na linha de fundo, sendo cercado na sequência por jogadores dos dois times. Voltou até lá e Pedro disse-lhe que a bola tinha sido tocada duas vezes pelo centroavante ante de ir para as redes o que invalidava o gol e que teria de ser cobrada falta com tiro livre indireto a favor do time que estava se defendendo. Márcio pensou em ignorá-lo, pois tinha certeza de que a bola havia tocado um dos pés do goleiro improvisado, mas resolveu chamar Pedro para um canto para conversar separadamente com ele.
Pedro
Em fim de carreira depois de muito tempo como auxiliar de arbitragem, Pedro pensava no quanto seria ruim viver longe da proximidade com as partidas de futebol. Mas naqueles momentos ele pensava na 'mala' que poderia receber em sua casa conforme lhe fora prometido pessoalmente por um 'enviado de um dirigente'. Não pudera fazer nada que não pudesse despertar suspeitas durante todo o jogo e mesmo na hora do 'primeiro' pênalti não pudera intervir. E a chance última talvez, tinha sido a sequência do 'segundo' pênalti. Além do mais seu time do coração estava jogando em outra partida disputando a mesma vaga na final. Viu o juiz se dirigir para o meio-campo mas ficou ali, impassível, sabendo que a confusão tenderia a aumentar, "mas e daí" pensou, Armando havia recebido 'o dele' e a esse tempo devia estar nos infernos. Viu o policiamento afastar os jogadores de si e Márcio chamá-lo de lado. Reiterou sua posição de que a bola não havia tocado no goleiro ao mesmo tempo que Márcio elevava a voz dizendo que iria confirmar o gol. Ficou calado e voltou lentamente para o meio de campo.
Marcão
Como um veterano no futebol, primeiro volante na carreira toda, Marcão era 'capitão' do time. Isso era orgulho de sua mãe pois todos os seus irmãos estavam ou na cadeia ou foragidos. Naquela situação, 'macaco velho', Marcão não reclamou além da conta em todos os momentos. Porém achou que a tal de 'invasão da área' tinha sido uma sacagem do falecido juiz. Pegou a bola do fundo do seu gol e com ela debaixo do braço, quando o 'bandeirinha vacilão' voltou para o meio de campo, chegou bem pertinho de Márcio e quase tocando sua face na do árbitro disse bem claro: "Se você não der acréscimo de um cinco minutos e não der um pênalti pra nós eu vou mandar meus irmãos e os amigos dele dar um jeito em você e na sua família, falou?". O árbitro deu um passo para trás e em seguida sinalizou com uma das mãos abertas o acréscimo que o voltante intimidara-o a dar. Marcão levou a bola até o centro do 'caroço de abacate' e disse para o seu centroavante e o meia que estavam ao lado: "um cruza e o outro cai que o homem aí tremeu". E assim foi feito.