Sem coragem
A vida não estava muito agradável para Érica, e com todos seus sonhos afogados, desejo de morte era o que não lhe faltava... As lágrimas que sempre lhe acompanhava, estava mais uma vez presente, então com a vontade de resolver de vez seu problema sentou-se em uma pedra e começou a pensar...
Em seu trabalho, ganhava bem e não podia reclamar do salário, enquanto passava frente a pessoas desabrigadas, e lançadas na calçada, sempre buscava uma razão para secar-lhe os olhos e pensar positivamente, mas via-se inútil fazer isso, pois lhe faltava algo na vida que a motivasse... Foi quando viu o Senhor Aurélio, já um senhor de avançada idade, com as roupas sujas e cheirando a urina, quantas refeições ele não tinha feito, quanto frio não deveria ter passado, logo ele poderia ajudá-la.
Chegou bem perto e perguntou-lhe o nome, aquele rosto sujo, onde lhe faltava um dente da frente, causou-lhe medo, mas ela prosseguiu... Ofereceu ao homem um cheiroso pão de queijo e um café com leite quentinho, agora sabia que poderia conversar com o mendigo, que ele lhe daria a devida atenção. E fez-lhe a proposta:
- Quero lhe pedir um favor.
- Mas o que eu poderia fazer a você? Você é quem pode fazer algo por mim...
- Engano seu, o senhor pode fazer muito por mim! Amanhã vou lhe trazer um dinheiro, uma roupa e uma faca, você só precisa enfiar a faca em meu peito e pegar o dinheiro e a roupa, se trocar e sair, pega um ônibus e vá para outra cidade, coloque suas roupas dentro de um saco e leve-as com você, jogue em um rio, sei lá, mas não deixe aqui perto, para ninguém perceber... Você faria isso? O dinheiro é seu, não precisa se preocupar...
-Menina, você está me pedindo para te matar e levar seu dinheiro...
- é eu não vou precisar mais dele, e acho que o senhor vai fazer um uso melhor dele do que eu, já não tenho mais razão e nem motivo para viver, mas não tenho coragem de me matar....
Ficou combinado, e no dia seguinte Érica, levaria toda a grana que recebeu de um mês de trabalho para o senhor faminto...
As horas pareciam não passar, Érica, já estava ansiosa, mais uma vez a chorar , mais uma vez com medo de não ter feito a escolha certa, foi até uma loja de conveniências, comprou uma faca, bem afiada, uma calça e uma camiseta, foi andando vagarosamente, avistou o senhor Aurélio, sentado no mesmo lugar... Quando ele viu a moça, sorriu, muitos anos não fazia algo que lhe rendia uns trocados.... A menina com os olhos inundados repetiu as regras:
- Por favor, tome o cuidado para que ninguém nos veja, não deixe o sangue aparecer em você, e fuja quando eu der o suspiro... Aurélio, antes de tudo, queria te pedir uma coisa.
O velho já estava transpirando, então olhou-a nos olhos em busca da pedido
- Me dê um abraço!
Mais de quinze minutos durou o forte abraço, ambos choraram, e quando um tentava se soltar o outro apertava mais forte... Quando finalmente se largaram, Érica se deitou ao chão esperando se cumprir o combinado...
- Não, não vou fazer isso, pegue o seu dinheiro e vá...
- Mas nós combinamos você disse que faria,
-Isso foi antes do abraço, quando era mais forte a vontade de comer...
-E você não vai ficar com o dinheiro?
-Não sou assassino, não sou ladrão... Mesmo com seu dinheiro você se via carente e sem vontade de viver, por que eu vou querer ele?
-Tudo bem de o Senhor não querer me matar, mas eu estou com o dinheiro e combinei pagar o senhor...
-Filha vá para sua casa, Seu abraço foi a maior riqueza que o mundo todo podia me oferecer, já faz muito tempo que não sinto o que é um abraço e é tudo o que desejo de hoje em diante...
Uma sensação diferente tomou conta do interior de Érica, uma mistura de alívio, e indignação... Eles novamente se olharam e cada um tomou o rumo que deveria tomar...
O maior miserável, é aquele que não tem afeto por alguém, que carece de amor!
Este conto teve motivos para existir!