As Aventuras de Tonico (29) - Mães não mentem, mas a sabedoria popular...
Com a minha mãe, nordestina brava como uma leoa, o negócio era "Escreveu não leu, pau comeu", principalmente para os pecadinhos das mentiras. Eu, que vivia arranjando encrencas e inventando mentiras para me safar delas - o que acarretava novas encrencas - criava em torno de mim uma perigosa corrente que somente era quebrada pelo temido convite: "Vem cá, Tonico!". E haja taca no meu lombo, por causa das minhas infrações ao código familiar "Mentir, jamais".
Então, um dia mamãe alugou uma casa nova, na qual o antigo inquilino esquecera - pendurada entre os caibros do teto - uma pequena balança de quitanda, de cor vermelha. Apontei-a para mamãe, que respondeu, dando de ombros:
- Deixa aí, se ninguém vier buscar, é minha.
Esqueci-me completamente da pequena balança vermelha, até que, seis meses depois, o antigo inquilino apareceu, perguntando para mamãe:
- Minha senhora, quando se mudou pra cá não encontrou uma balança vermelha ali em cima? - apontou para o teto e eu, com grande espanto, verifiquei que a balancinha tinha desaparecido!
Minha mãe respondeu tranquilamente:
- Não senhor, não encontrei nada.
- A senhora tem certeza? - insistiu o homem.
- Plena certeza - respondeu mamãe, já denotando irritação.
Eu fiquei de boca aberta, perplexo. O que era aquilo? Tínhamos encontrado a balança, sim! Com certeza, minha mãe já tinha se esquecido do fato e, o que era pior, não se dera conta de que alguém houvera surrupiado a balança do homem. Procurei refrescar a memória da velha:
- Mamãe!
- O que é, menino?
- Não era aquela balancinha vermelha que lhe mostrei naquele dia? Estava ali mesmo, alguém a levou!
O rosto da minha mãe mudou de cor várias vezes, seus olhos reviravam e a sua boca torcia como se quisesse me avisar de alguma coisa, mas eu não captava o sinal. Nesse momento, o homem, já um tanto desconfiado da história da minha mãe, perguntou para mim:
- Menino, tu viste a balança?
Quando eu ia responder, minha mãe atalhou:
- Esse menino não sabe de nada! Havia lá em cima, na verdade, um guidom vermelho, parte de uma bicicleta velha e já desmontada - virou-se para mim e gritou:
- Estás atrapalhando a conversa, menino, chispa, vai brincar!
Mas o homem já tinha sido picado pelo veneno da desconfiança e continuou insistindo com a minha mãe:
- Minha senhora, afinal, havia ou não uma balança lá em cima, quando alugou esta casa? O menino disse...
- Esse menino não sabe de nada, fala demais. Meu senhor, estou lhe dizendo que não encontrei balança nenhuma! Está me chamando de mentirosa?
- Não, mas...
- Não tem mais nem menos! Não encontrei balança nenhuma, não sei de balança nenhuma, agora se me der licença, tenho mais o que fazer! - e bateu a porta na cara do homem.
Depois, cautelosa, deu uma espiada na rua para se assegurar de que o homem já houvera desaparecido. Aí, então, berrou:
- Tonico, vem cá!
Oh, céus, o grito de guerra da mamãe, antes de me aplicar um corretivo! Tomei um susto enorme: que houvera feito de errado dessa vez? Está certo que eu tinha me metido na conversa de dois adultos (coisa proibida naquele tempo para crianças), mas fizera isso apenas para ajudar. Minha mãe não mentia e se estava dizendo que não havia uma balança quando alugamos a casa, com certeza era porque estava esquecida do fato. E eu tentara corrigir esse esquecimento da sua mente! Mas minha mãe já sacudia a taca na minha frente, furiosa:
- Há um mês o teu tio Zé Lobato veio aqui e me pediu a balança para usá-la em sua quitandinha do interior. E eu a dei, convencida de que ninguém iria reclamar mais essa porcaria. Mas tu, menino, com a tua língua comprida, me fizeste passar uma vergonha danada! Com certeza, o homem percebeu que a minha história estava mal contada. Por tua causa, moleque safado! Então, agora vais aprender a não mais te meteres onde não és chamado!
E haja taca no meu lombo...
E foi nesse dia que aprendi na carne três coisas que somente anos mais tarde iria identificar como lições da sabedoria popular: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" , "A ocasião é que faz o ladrão, e, principalmente, "A corda só arrebenta do lado mais fraco".
Com a minha mãe, nordestina brava como uma leoa, o negócio era "Escreveu não leu, pau comeu", principalmente para os pecadinhos das mentiras. Eu, que vivia arranjando encrencas e inventando mentiras para me safar delas - o que acarretava novas encrencas - criava em torno de mim uma perigosa corrente que somente era quebrada pelo temido convite: "Vem cá, Tonico!". E haja taca no meu lombo, por causa das minhas infrações ao código familiar "Mentir, jamais".
Então, um dia mamãe alugou uma casa nova, na qual o antigo inquilino esquecera - pendurada entre os caibros do teto - uma pequena balança de quitanda, de cor vermelha. Apontei-a para mamãe, que respondeu, dando de ombros:
- Deixa aí, se ninguém vier buscar, é minha.
Esqueci-me completamente da pequena balança vermelha, até que, seis meses depois, o antigo inquilino apareceu, perguntando para mamãe:
- Minha senhora, quando se mudou pra cá não encontrou uma balança vermelha ali em cima? - apontou para o teto e eu, com grande espanto, verifiquei que a balancinha tinha desaparecido!
Minha mãe respondeu tranquilamente:
- Não senhor, não encontrei nada.
- A senhora tem certeza? - insistiu o homem.
- Plena certeza - respondeu mamãe, já denotando irritação.
Eu fiquei de boca aberta, perplexo. O que era aquilo? Tínhamos encontrado a balança, sim! Com certeza, minha mãe já tinha se esquecido do fato e, o que era pior, não se dera conta de que alguém houvera surrupiado a balança do homem. Procurei refrescar a memória da velha:
- Mamãe!
- O que é, menino?
- Não era aquela balancinha vermelha que lhe mostrei naquele dia? Estava ali mesmo, alguém a levou!
O rosto da minha mãe mudou de cor várias vezes, seus olhos reviravam e a sua boca torcia como se quisesse me avisar de alguma coisa, mas eu não captava o sinal. Nesse momento, o homem, já um tanto desconfiado da história da minha mãe, perguntou para mim:
- Menino, tu viste a balança?
Quando eu ia responder, minha mãe atalhou:
- Esse menino não sabe de nada! Havia lá em cima, na verdade, um guidom vermelho, parte de uma bicicleta velha e já desmontada - virou-se para mim e gritou:
- Estás atrapalhando a conversa, menino, chispa, vai brincar!
Mas o homem já tinha sido picado pelo veneno da desconfiança e continuou insistindo com a minha mãe:
- Minha senhora, afinal, havia ou não uma balança lá em cima, quando alugou esta casa? O menino disse...
- Esse menino não sabe de nada, fala demais. Meu senhor, estou lhe dizendo que não encontrei balança nenhuma! Está me chamando de mentirosa?
- Não, mas...
- Não tem mais nem menos! Não encontrei balança nenhuma, não sei de balança nenhuma, agora se me der licença, tenho mais o que fazer! - e bateu a porta na cara do homem.
Depois, cautelosa, deu uma espiada na rua para se assegurar de que o homem já houvera desaparecido. Aí, então, berrou:
- Tonico, vem cá!
Oh, céus, o grito de guerra da mamãe, antes de me aplicar um corretivo! Tomei um susto enorme: que houvera feito de errado dessa vez? Está certo que eu tinha me metido na conversa de dois adultos (coisa proibida naquele tempo para crianças), mas fizera isso apenas para ajudar. Minha mãe não mentia e se estava dizendo que não havia uma balança quando alugamos a casa, com certeza era porque estava esquecida do fato. E eu tentara corrigir esse esquecimento da sua mente! Mas minha mãe já sacudia a taca na minha frente, furiosa:
- Há um mês o teu tio Zé Lobato veio aqui e me pediu a balança para usá-la em sua quitandinha do interior. E eu a dei, convencida de que ninguém iria reclamar mais essa porcaria. Mas tu, menino, com a tua língua comprida, me fizeste passar uma vergonha danada! Com certeza, o homem percebeu que a minha história estava mal contada. Por tua causa, moleque safado! Então, agora vais aprender a não mais te meteres onde não és chamado!
E haja taca no meu lombo...
E foi nesse dia que aprendi na carne três coisas que somente anos mais tarde iria identificar como lições da sabedoria popular: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" , "A ocasião é que faz o ladrão, e, principalmente, "A corda só arrebenta do lado mais fraco".