Querida Nádia

Como havia lhe prometido,Nádia,aqui estou para contar uma de nossas histórias.

Na verdade são fatos que realmente ocorreram.

Com o intuito de reaproximar-me de você,escrevo estas linhas iniciais,pedindo desculpas por deixá-la só.

Para que os demais compreendam do que se trata,devo contar como tudo começou.

Após a conclusão do ensino fundamental num colégio onde todos,digo,TODOS demais alunos pareciam me odiar,fui matriculada no Maria Carolina,colégio exclusivo para ensino médio público.

Sempre recalcada em meu canto,observava a atitude dos meus supostos colegas de turma.A Nádia era um deles.

Primeiro dia de aula,eu fitava a mesa á minha frente,minhas mãos suavam e meu corpo tremia só de pensar que a vez de apresentar-me estava se aproximando.

Minha vontade era correr pelos corredores,pular o muro e nunca mais retornar áquela sala.Mas,sempre imaginei demais e me acovardava.

Vivia no mundo da imaginação até que alguém chamou minha atenção para o planeta Terra.

Olhos negros e grandes,como de uma coruja,cabelos negros,longos e trançados, lá estava ela me chamando pro trabalho em grupo:

-Quer se sentar comigo?-Alguém falou comigo após duas semanas desde o início das aulas.

-Eu?..Quer dizer,claro.Quero sim.

A maior parte dos meus anos me considerei uma sociofóbica.Geralmente,não fazia muitos amigos,para não vê-los partir.Sofria por antecipação só em pensar na possibilidade de sofrer.

Vai me entender!

Lembro que este foi o primeiro dos muitos trabalhos que realizamos juntas!Não só os escolares,mas os que nos alegrava após o término das aulas.

Á princípio fiquei desconfiada daquela menina com jeito de homem.

Andava toda desleixada,blusas G sendo seu tamanho M,calças largas,tênis pintados,sombra negra em volta dos olhos.

Começou me dizendo suas bandas de rock preferidas, depois me identifiquei pois também gostava de jogar futsal.

Não demorou muito para que eu mudasse meu jeito de vestir e a maneira como enfrentava o mundo. Com a Nádia era um dane-se pro mundo e todos que nele estão!Era assim a época que me recordo.

Certa vez, marcamos de num domingo ir á um campeonato de skate que iniciaria ás 9 da manhã,como dizia o anúncio.Marcamos de nos encontrar as 07 da manhã para acompanharmos cada etapa daquele esporte que tanto amávamos.

As duas sempre pontuais, pegaram um ônibus achando ser o que iria direto ao local do evento.Mera ilusão!Parecíamos duas caipiras que nunca saíram de seus bairros.

Para resumir nossa trajetória,gastamos quase todo o dinheiro que levávamos com passagens que a lugar algum nos levou.Total de nove ônibus sendo que apenas um circular resolveria a situaçao. Chegamos em tempo ao campeonato,mas como gastamos parte do dinheiro do lanche fomos embora sem ver metade das apresentações,a fome nos instigou a isso.

Esta foi só uma de algumas aventuras dessas duas adolescentes rebeldes.

Houve uma época,segundo ano do colegial, que pintamos as pontas de nossos cabelos:o meu verde e a Nádia de azul, como o Cruzeiro,seu time do coração.

Éramos vistas como duas malucas; mas preferível era ser temida,que zombada pelos outros.

Futebol depois do horário, futebol fim de semana.Variávamos entre o futebol,skate e cinema.

Numa tarde, sentadas numa praça próxima ao colégio,dois garotos se aproximaram e roubaram o celular que a Nádia havia ganhado poucas semanas antes.Ela mentiu pra mãe, dizendo que aguardava no ponto de ônibus quando foi rendida pelos assaltantes.Senti-me muito culpada,pois a idéia de ficar na praça partiu de mim.Aquele dia descobri o conceito de amizade.

No último ano que teríamos pra ficar juntas,fomos separadas.Mas a distância entre as salas não faria morrer nem esfriar uma amizade verdadeira.Éramos as garotas fantásticas!Nossos super-poderes nos permitiam realizar todos nossos desejos.Essa era nossa ilusão de mundo perfeito.

Ao intervalo de cada aula,num prazo de pouco menos que cinco minutos cada,fazíamos troca de bilhetes antes que o proximo professor começasse a aula.Foi assim que nos comunicamos por, praticamente, um ano inteiro,alguns dias dava preguiça e só nos falávamos no recreio e após o término das aulas.

Assim fomos fortalecendo nossa união.Eu e Ela.Ela e Eu.Juntas pra sempre.

Era isso que as duas pensavam.

Com a formatura veio a maioridade.Hora de pensar na faculdade e em trabalhar.

Foi como uma bomba em minha vida!Comecei a trabalhar de garçonete,chegava cansada e dormia a tarde inteira.Dois dias depois ficava sabendo que a Nádia havia telefonado.

Eu fui me afastando e quando percebi, ela já não existia mais em minha vida!

Hoje, quatro anos depois,devo confessar que esta amizade da qual me privei,tanto me faz falta!

Ano passado soube que ela se casou.Eu a abandonei quando ela só tinha a mim e eu a ela,talvez ela nao veja de forma tao dramática e depressiva,mas a meu ver,foi o erro que comprometeu o resto de meus dias.

Não consigo me manter num relacionamento por mais que alguns meses,alguns apenas por uns dias.Amigos realmente não tenho.Uma ou outra pessoa a quem confidencio alguns medos.Mas ninguém existe que se possa comparar.

Uma completava a frase da outra.Tínhamos idéias parecidas e atitudes inusitadas.

Talvez agora já tenha filhos e, se os têm,deve ser uma excelente e maravilhosa mãe!Sinto inveja daqueles que podem desfrutar de sua companhia engraçada e frases sem sentido.

Preciso de você Nádia,planejamos várias vezes de sentarmos e escrever tudo que já nos aconteceu,sei que você deve se lembrar de outros fatos.

Vamos conversar e atualizar o papo.

Óh,céus!A quem almejo enganar.Sei que talvez nunca mais a veja,ou que não queira falar comigo,talvez queira,bem...na verdade não sei exato o que realmente é.Humildemente ressalto que esta foi e será a verdadeira e única amizade de toda a minha vida.Preciso ver suas rugas,conhecer sua família e mostrar-lhe minha vida.

Temos que envelhecer juntas.

Se estiver por aí,talvez lendo este texto,sabe onde me encontrar.

Estou esperando por você,Nádia!

De sua amiga,

Janine Lancaster.

Wanuzia Braga
Enviado por Wanuzia Braga em 18/11/2010
Código do texto: T2622175
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