A felicidade e a má sorte.
Encontro inusistado se dera entre a Felicidade e a Má Sorte.
Num dia qualquer onde o sol despontava por sobre campos verdejantes salpicados aquí e acolá por flores de matizes e perfumes diversos, encontrava-se a Má Sorte coberta pelo negrejar de um manto em farrapos sentada tendo a cabeça entre as mãos. Tal postura traduzia um profunda aflição. Cabelos degrenhados a cair-lhe por sobre o rosto sulcado não somente pelos anos como, acima de tudo, pela imensa tristeza que se lhe fizera companhia, conferindo-lhe um aspecto repugnante.
Seus dias além de parecerem intermináveis, revestiam-se de uma profunda solidão tendo em vista ninguém ousar uma aproximação, pois quando isso acontececia, com certeza, algo de indesejável ou mesmo sinistro estaria prestes a acontecer com quem dela se acercasse. Tal repulsa das pessoas evitando uma possível aproximação lhe causava enorme tristeza de sorte que se via impossibilitada de causar algum infortúnio aos mais desavisados. Era, sem dúvida, uma existência repleta de terríveis sofrimentos somente aliviados quando da certeza de haver sido responsável pelo mal causado a alguém.
À medida que sua angústia aumentava como resultado da solidão que se fazia presente, eis que ao levantar a cabeça vislumbra uma imensa claridade que aos poucos ia se aproximando dela, trazendo consigo uma figura de mulher como que levitando em sua direção. Com o olhar fixo percebe se tratar de uma mulher portadora de imensa beleza envolta num manto de exuberante brancura, todo bordado com fios de ouro tendo na cabeça uma tiara de pedras preciosas.
Acercando-se da Má Sorte a mulher lhe dirige um sorriso tendo um cativante olhar a emoldurar-lhe o rosto, indagando qual a razão de tão profunda tristeza.
--- Ah, minha amiga. Há tempos que permaneço por aqui a espera de alguém a quem possa lhe causar alaguma desdita, pois somente assim consigo minimizar meus sofrimentos. Desde há muito que não me aparece quem quer que seja para que possa desejar-lhe algo de mal como o desemprego, a fome, uma doença qualquer; fomentar a discórdia entre pessoas, sobretudo aos casais levando-lhes a uma separação definitiva. Exulto quando me é dada a oportunidade de incitar os homens a cometerem um fraticício; levá-los a cometer ações frontalmente contrárias às leis e aos bons costumes. Finalmente, alegro-me no fundo do meu coração quando a desgraça se faz presente na vida de alguém. Tenho vivido desde o início dos tempos voltada no sentido de promover entre os homens tudo que há de mais execrável; de mais abominável, uma vez que represento a dor, a desgraça, o infortúnio, a miséria enfim, sou o que há de mais deplorável possa acometer alguém. Não é sem razão que sou conhecida como a Má Sorte.
--- Pois eu minha amiga, sou a Felicidade. Represento o que de melhor existe na vida. À cada momento sou solicitada por alguém para que possa levar-lhe a alegria de viver. Atendo prontamente a todos aqueles que buscam com denodo a prática de boas ações. São aquelas pessoas que no decorrer de suas vidas se acercam de bons pensamentos; que praticam ações nobilitantes. Envidam todos os esforços na prática do bem aos seus semelhantes. Fazem da caridade,do perdãso e do amor apanágios de suas vidas. Por isso, estremece-me de alegria o coração dentro do peito todas as vezes que essas pessoas solicitam os meus préstimos. De pronto, atendo-lhes, levando tudo o que há de melhor; tudo da mais alta relevância que se traduz numa perene sensação de bem estar. Sinto-me altamente realizada quando se faz presente a oportunidade de ajudá-las, levando-lhes os mais significativos eflúvios de paz interior. Apraz-me, não tenha dúvida, a certeza de que o bem vencerá o mal. Todos nós fomos criados para que nos floreça o amor. Sou, na verdade, a personificação do bem; sou a Felicidade.
---Ah, responde-lhe a Má Sorte --- mesmo diante da resistência de muitos quando incito-os à prática de atos desabonadores; quando procuro persuadí-los uma vez que me é sobremaneira prazeroso vê-los chafurdando no lodaçal do mal. Desde o início dos tempos outra coisa não tenho feito a não ser fomentar a maldade. Procuro com denodo e sem desânimo induzir a todos que a mim se acercam à prática da desonestidade; da falsidade; do perjúrio; do egoíesmo enfim, as mais vís ações que alguém seja capaz de cometê-las. Assim, à medida que alguém se deixa influenciar, sendo conduzido a sordidez de atos deploráveis, sinto-me com a sensação do dever cumprido. Como algo a massagear-me o ego.
--- Lamentável o seu modo de ser --- responde-lhe a Felicidade. Apesar de tanta maldade; apesar de alguns serem levados à prática de atos deploráveis, a grande maioria dos homens buscam, sem esmorecimento, pautar suas vidas e cominho do bem e da virtude. Mesmo enfrentando, vez por outra, situações adversas se empenham no sentido de não se deixarem envolver pelo mal. Somente aqueles em cujos corações floresce o amor encontram a felicidade em toda sua plenitude.