O remorso...
Eu era criança ainda, estava com meu irmão na nossa cidadezinha do interior, Agricolândia, onde moravam os parentes, tínhamos ido com papai, que nos deixou lá na casa da vovó, mãe dele. Passado alguns dias estávamos para voltar, presenciei algo terrível! Uma discussão (Não me recordo o motivo) da minha avó com minha tia Socorro, irmã mais nova de papai. Minha tia disse barbaridades para vovó, palavrões e tantos outros impropérios, numa das palavras, me lembro muito bem, ouvi até ela chamar a própria mãe de satanás do inferno. Isso não era nem de perto verdade, minha avó era uma mulher muito bondosa e lutadora. Abandonada pelo marido, teve que criar os treze filhos sozinha e mais dois netos que o pai (filho de minha avó) havia morrido e a mãe não os quis assumir e mais seis netos que o pai havia matado a mãe (filha de minha avó) e agora estava preso. Minha avó ficou muito magoada com tia Socorro e chegou até a passar mal por tudo aquilo, mas como era uma pessoa cristã, relevou o momento de raiva e de fraqueza que a filha estava passando. Nem sabia o porquê. Tudo isso havia se passado na sexta-feira.
No domingo minha avó nos chamou e disse que íamos viajar, ela precisava ir ao médico na capital, Teresina, onde morávamos. Eu não gostei muito, queria ficar mais e brincar com meus primos, mas, se era mesmo hora de ir...
Pegamos o ônibus das duas da tarde. O calor era insuportável e eu, como sempre, brigava para ir do lado da janela, achatar o nariz no vidro, depois abrir a janela e pegar bastante vento. A minha avó estava gemendo, percebi que ela não estava bem. O hálito dela ardia, parecia que tinha estourado algo dentro dela. Fiquei emocionado quando ela disse para mim e pro meu irmão: filhos se eu morrer aqui dentro do ônibus, lembrem-se que tem cem cruzeiros (Uma nota grande, vermelha de cruzeiros) do seu pai dentro da sacola... Eu quis chorar, mas me contive. Disse para ela que ela não ia morrer. A viajem prosseguiu e vovó realmente não morreu no ônibus, graças a Deus.
Na segunda-feira a primeira coisa que minha tia Oceanira, (Filha), fez foi levar vovó ao médico e, para surpresa de todos, ela já ficou internada na UTI do hospital Santa Maria. Eu quis ir para vê-la, mas não pude, criança não entrava. Ela ficou internada na segunda-feira, terça-feira e na quarta-feira então ela morreu.
Quando minha tia Socorro ficou sabendo da noticia da morte de vovó entrou em desespero, se sentiu culpada e sentiu um grande arrependimento, mas já era tarde demais. Nada mais poderia ser feito, minha avó estava morta. Havia morrido do coração.
Hoje, (2007) são mais de trinta anos e cada vez que falamos em vovó, minha tia Socorro começa a chorar, nunca esqueceu as palavras malditas, que não puderam voltar atrás e nem o perdão que não conseguiu obter da mãe. Minha avó Egídia descansa em paz, uma paz que minha tia parece que nunca vai conseguir alcançar.
Por isso, nada como ter um sentimento de bondade e medir as palavras sabendo que depois de faladas elas jamais poderão voltar, como a pedra atirada e a flexa lançada.