Chuva de Estrelas

Travesti

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!”

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas”.

— Olavo Bilac “Ouvir Estrelas”

Caçador de estrelas.

Chorou: seu olho voltou

Com tantas! Vem vê-las.

— Guilherme de Almeida “O Poeta”

Ela abriu. Ela escancarou. A janela. Como arregaçava suas pernas. Há muito, há muito se dedicava ao pouco. Que ganhava. Lá fora, a poeira. A poesia. Cósmica. As estrelas. Seu coração aberto. Para a conversa. Tal como suas pernas. Dispostas a quem. Quem? Alguém que lhe pagasse. Enquanto isso ele conversava com elas, de graça. As estrelas ao som de Ravel. Doida ela ouvia. Eram melhores. As estrelas. Porque faziam companhia para suas lágrimas. Faziam-nas brilhar. Intensamente. Mais que o sol. Mais que o por. Do sol na mão. Mas no choro. No choro só o pequenino brilho, que fino fez engasgar. Falar com as estrelas. Condensar o cotidiano no canto dos olhos. Sem soluços, mudo aquele choramingar. Porque as estrelas. Para ela. Era mais que gente. Cheias de luz e sozinhas. Sem ninguém para conversar. Como entender? Como aquietar, uma estrela que chora nos olhos dela? Assim se conversa. Com estrelas. E a lágrima rola, e elas observam, refletindo. Às vezes elas caem no útero da Travesti como uma gota se sêmen. Em sua pele negra, como uma lambida. Saliva. Escorre por sua boca. Que sabor tem uma estrela? Pois só quem conversa... é capaz de entendê-la. De sentir. O sabor. O saber. E o sonhar. Sonhava: Teve um tempo em que ela se achava parecida com Dorian Gray, o do retrato. Mas essas coisas se perdem para ele. O amor. Mas foi se entrando. Porque nas almas intro, bem lá dentro, as estrelas falam. Como fogo. Como Jóia. Como glória. Porque numa conversa ligeira, naquela pele negra, um dizer diminuto. Coisa de estrela... Há quantos anos não chovia naquele deserto? “Hoje chove estrelas”. Ela: a Rosa Meditativa, como Dali, na sequidão. Do coração. Bem ali... No deserto as estrelas. Assomavam. Responde a Estrela: Vem! Não. Sou negra!... Um dia virá. O silêncio daquela Travesti se tornou mais profundo que o das estrelas. Saiu da janela. Caiu um par de lágrimas, de dentro dela. Rutilou a Jóia. Ela entendia. Lírica. Tombou na areia, fez-se o barro, negro. Era salgada. A estrela? Não. A lágrima. Mas brilhava. Como. Brilhava! Porque vinha dela. Dela que sabia falar com os astros. Uma estrela no meio do deserto. De costas, quando derramou. A última lágrima. Uma estrela despencou. Um rabo de fogo desvirginando o céu. Como suas pernas fechadas. Tal como seu coração. E desapareceu. E se extinguiu. Obnubilou. Mas ela estava ali. E ainda sabia conversar com estrelas.

DominiCke Obliterum
Enviado por DominiCke Obliterum em 05/11/2010
Código do texto: T2599087
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