RECORDAÇÕES PRIMÁRIAS

Era uma criança muito ativa pras coisas que lhe interessava. Na escola, por exemplo, suas notas não eram as melhores, mas era grande a alegria de estar descobrindo as letras e os números. A participação nos passeios, em todos os eventos escolares, eram imprescindíveis. Estava pronta pra tudo. Gostava de ser aplaudida, elogiada, ter o seu lugar de destaque.

Numa peça de teatro, lembra-se que foi Bárbara Heliodora, esposa de Alvarenga Peixoto. Participava de recitais, danças, enfim, era uma aluna atuante. A professora que mais lhe dera chances de atuar, chamava-se D. Zilma. A quem a pequena admirava muito e procurava sempre imitar. O inverno de Minas Gerais, na década de 60, era rigorosíssimo e a cada dia a professora exibia um novo conjunto de "Banlon", era como se chamava, na época, um casaquinho, que trazia na mesma cor, a parte de baixo, em mangas curtas. D. Zilma tinha-os em todas as cores, e isso para a pequena, era o máximo, uma vez que possuía apenas um casaquinho de casimira, que além de não esquentar o seu corpinho franzino, os punhos do mesmo já tentavam alcançar-lhe os cotovelos.

Certo dia, D. Zilma recebia na porta de sua sala de aula, um recado da Direção da Escola. Deveria ensaiar alguns alunos pra dançar uma linda música em praça pública. Seria a festa de aniversário da pequena cidade mineira. Após receber o recado, a professora voltou-se em direção aos alunos pra perguntar quem gostaria de participar da dança. A menina já estava de pés, atrás da professora, e com os seus dedinhos levantados.

A semana anteior à festa foi de preparativos, alegrias e encantamentos. Os ensaios aconteciam em uma bonita casa - na rua principal da cidade - que tinha uma linda vitrola. Quem sabe não fosse a única virola da cidade naquele tempo?

Tudo era mágico pra pequena! Após cada ensaio, voltava pra casa sonhando em reviver aqueles momentos: a casa bonita... a vitrola... a professora... e a festa que estava prestes a acontecer. Sentia-se muito feliz!

Às vésperas da apresentação, a pobre menina teve uma decepção total. Nos seus dez aninhos, não podia ter noção das dificuldades, ora enfrentadas por sua numerosa família de treze irmãos, e fora correndo falar com sua mãe sobre o vestido branco, o sapatinho de napa, o arranjo de flores nos cabelos, enfim, da dança e dos elogios incansáveis de D. Zilma, por estar se saindo muito bem naquele ensaio. A mãe da menina, que até então estava alheia ao que estava acontecendo e desconhecia o tamanho dos gastos que viriam pela frente, exclamou: _"Eu já disse pra você que essas coisas não são para nós, deixe isso pra quem tem dinheiro, para os filhos dos ricos! "São Bento na água benta, que tanto essa menina inventa!...

E no dia seguinte, a professora teve a sua aluninha, sentada lá no fundinho da sala de aula, murchinha, cabisbaixa, uma voz embutida, e um sorriso totalmente apagado. Um tiquinho de gente com uma decepção tão grande que mal lhe cabia!

A pofessora esperou terminar suas aulas aproximou-se, foi ter-se com a menina. "Fique assim, não, querida, não permitirei por nada nesse mundo que o seu brilho se apague! Amanhã te espero no local de sempre e na mesma hora do ensaio! Combinado?"

A menina, robusteceu-se. Voltou a ouvir a música, ainda que a nenhuma vitrola a estivesse tocando. Segui para sua casa ensaiando os passos da dança, pelas calçadas estreitas da pequena cidade, sem se importar com quem a estivesse espiando. Seu entusiamo foi ainda maior quando a professora lhe disse: _ "Tenho uma grande surpresa pra você!"... e colocou na vitrola uma canção em castelhano, que quase fez o coração da menina saltar de seu corpo franzino.

_"Então, o que você achou disso?" E lhe entregou um papel contendo a letra da música que acabara de tocar. E, apenas um dia de ensaio foi o suficiente pra que a cidade tivesse em seu coreto, uma estrelinha brilhando, enquanto famílias a ouviam pelo rádio, inclusive seus pais.

Por fim, a premiação: um vidro de Óleo Glostora, de 500 ml! Nossa, que alegria! Naquela época, foi o máximo na vida de uma pequena que adorava ser plaudida e jamais havia ganho tamanho prêmio! No entanto, como fazer uso daquele "prêmio" em seus cabelos negros e tão lisos, dignos de uma heança indígena?

E essa menininha, gente... era EU!

Magnólia
Enviado por Magnólia em 04/11/2010
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