SAUDADE
SAUDADES
Ter saudades de pessoas, acontecimentos e de festas é normal, mas saudades de um cemitério é bem estranho, mas Lilita tinha uma grande saudade do velho cemitério da Vila de São João dos Finados; quando ela se referia a esse assunto a comunidade ria dela, e dizia: Coitada da Lilita, está cada vez mais caduca, apesar de só ter quarenta anos
Ela sabia que era motivo de chacotas, mas não se importava, porque seu coração doía quando se lembrava do cemitério de sua infância e juventude; aquele velho de mais de cem anos, era cercado por um muro de pedras superpostas, com a mesma altura na parte de fora como na parte afundada no chão e os mais velhos contavam que os escravos transportaram as pedras na cabeça, uma de cada vez.
Parada em frente ao que fora um cemitério, ela se lembrava de coisas que aconteceram ali, como a historia do coveiro Adauto que cultivou uma plantação de melancias, abóboras e mamões na parte reservada aos suicidas, assassinos e mulheres de má fama e quando foi repreendido pelo feito, ele se justificou dizendo: tem importância não gente!
E explicava seu entendimento da questão, assim: Uai pessoal, essa parte aqui não é benta, porque os padres acham que eles não merecem e depois quase ninguém é enterrado aqui, suicídio nessa vila é coisa rara, assassinos aqui não tem e mulher de má fama menos ainda; a terra é de cultura, e eu tenho oito filhos para alimentar, entenderam?
Entender ninguém entendeu, mas as frutas colhidas ali eram perfeitas, davam água na boca e os filhos do coveiro Adauto cresciam fortes e bonitos; tinha também a lenda de um corpo seco, escondido atrás do altar da capela que existia lá, as crianças da vila acreditavam na sua existência, morriam de curiosidade, mas ninguém foi lá conferir, o medo era maior que a curiosidade.
E os fantasmas? Quem morava perto do velho cemitério, contava que ouvia arrastar de correntes e gemidos de almas penadas depois da meia noite, até o primeiro galo cantar anunciando o raiar do dia; o mais famoso fantasma, era o de uma moça que aparecia muito linda e agarrava qualquer homem que passasse por lá antes do dia nascer, muitos a viram.
Até ai Lilica ria das lembranças, mas quando ela se lembrava do incêndio que destruiu a linda capela do cemitério, ela chorava e se enraivecia, porque na época do acontecimento, o povo achou que foi incêndio criminoso, para encobrir o roubo do lindo e valioso São Miguel Arcanjo que ornava a capela e tinha desaparecido pouco antes do incêndio.
Verdades ou lendas, para Lilica não importava, o certo mesmo era que de seu amado cemitério nada mais restava além de suas lembranças e de suas saudades e o que mais incomodava a saudosa Lilica, era o fato da capela ter virado cinzas e o assunto continuar morto e enterrado, como o ultimo funeral acontecido no velho e esquecido cemitério da Vila de São João dos Finados.
Maria Aparecida Felicori{Vó Fia}
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