de Porta fechada

De porta fechada

Alex Ferraz Rosa

Nunca consegui ser um bom estudante. Não me sentia burro não. Eu não gostava era dos meninos ou da forma como a professora me tratava. Na escola era como se fosse um bicho ou um astronalta. Teve um dia que mijei no meu conga, quando a professora me obrigou a ficar na frente, explicando porque eu era tão tímido. Odeio até hoje aquela professora.

Naquele dia de abril decidi não ir a escola. Minha mãe não aceitava ser contestava. Ela era a lei. sempre! No quintal, sentei numa pedra e esperei a repercussão de minha decisão. Logo veio. Um tapa raspando minha cabeça. Desci correndo pelo quintal entre as bananeiras. Corri durante algum tempo em direção a fazenda de Tino. Andei sem parar durante muito tempo.

Andei rente ao rio. Embrenhei na floresta de napiê. Entrei em seus túneis e sai do outro lado da Pedra de Santa Rita. Encontrei uma árvore grande de copa descaída que dava uma saudade não sei de quê. O barulho de pássaros cantando, a luz que vazava pelas frestas das folhas, amorteciam meu coração. Fiquei algum tempo observando aquilo. Pensei no nome da árvore. Lamentei não saber.

O sol foi esquentando. Bichos iam parecendo e o gado avizinhava.

Nesse dia pensei em coisas que não pensava . Nossa mudança de cidade. Na minha bicleta que quebrou e nunca foi consertada. Em Juraci, meu amigo que estava doente. Pensei em como as árvores crescem sem ninguém pra cuidar delas. Na minha vó que se matava de trabalhar. Tive pela primeira vez dó dela. Fiquei olhando as vacas, que logo morreria e viraria comida. O tamanho do céu que nem dava pra ver o fim. Me perguntei se as cidades acabassem, as lojas, as vendas, tudo acabasse. Todo mundo ia ficar assim, igual as vacas e os passarinhos, no mato. Pensei nisso e fiquei com medo. Como em outras vezes que eu fugi da minha mãe, passei muito tempo procurando em memória um lugar pra ficar. Já estava com fome e com vontade de voltar pra casa. Podia pedir desculpas e dizer que nunca mais iria acontecer. Não ia adiantar. Já tinha prometido isso antes. Antigamente inventava historias e ficava nelas até a raiva de minha mãe passar. Agora não consigo mais. Deve ser porque já estou grande. Se pelo menos ela me deixasse desistir da escola. Pensei no meu pai, que não gosta muito de trabalhar e só fica no bar de seu Pires. Deu raiva dos amigos dele que não deixa ele quieto em casa e faz minha mãe ficar tão brava. Dá raiva dele.

Consegui ficar nesse transe até umas quatro da tarde quando minha vó apareceu me procurando. Meu coração ficou igual tambor.

- Estava te procurando, Tim . Sua mãe não está mais com raiva. Já passou! Vamos pra casa comer.

- Verdade, vó?

- Sua mãe é muito nervosa. Mas é só na hora. Depois passa!

Na volta fiquei quieto durante muito tempo. minha vó só falava de quando eu era pequeno. Sabia que ela queria me acalmar. Por isso não fechava a boca. Falou de quando

Lavava roupa no rio e fazia uma trouxinha pra eu levar também. Ela se esforçava pra eu me sentir importante. Os meninos viam, mas gostava de minha vó mesmo assim. Do jeito dela estava sempre me protegendo.

Quando chegamos em casa me serviu arroz, salada e frango cozido. Sentado a mesa minha mãe passou pela porta da cozinha e não disse nada. Comi muito.

Quando terminei fui ver um pouco de televisão. Minha mãe varria a casa.

Hesitei . Olhei pela porta da rua. O dia chegava ao fim, Seu beto já voltava do trabalho. Dona Jovita ainda na janela. Vi o sol dourado, quase vermelho.

Parecia tudo calmo. É bom ter meu mundo de volta.

Desliguei a televisão e entrei no meu quarto pra pegar alguma coisa que nem me lembro. Um barulho me fez olhar pra trás.

Quando virei, minha mãe trancava a porta.