Lagoa do Soares

Lagoa do Soares

Ventava muito naquele dia na Lagoa do Soares. Todos decidiram ficar em casa e jogar conversa fora. Jogaram baralho, sinuca, e depois tomaram café juntos. Foi uma noite tipicamente familiar, com direito até a uma oração de cáritas. Já tarde, um dos convidados daquele maravilhoso final de semana se afastou um pouco da casa para admirar a vastidão do cosmo, e brincar com as estrelas. Enquanto o moço se distraía com as Três Marias, um sapo gordo de cara amarrada e semblante de quem está zangado, coloca-se ao lado do rapaz. Este não o nota portando-se de forma indiferente a sua presença de sapo. O anfíbio divide a cena com o mamífero falante comendo os mosquitos que desapercebidamente voavam pelo local. O admirador de estrelas fora seduzido por uma estrela cadente e sem intenção alguma pisa o pobre sapo. Este dá um pulo curto e vira-se para o moço de cabelo preto cortado no estilo militar e rosto comum, como qualquer um. Inesperadamente o sapo dirige a palavra para ele:

“Olha onde pisa rapaz, cuidado!”

“Nunca vi um sapo falar”. Disse o simpático sergipano.

“Você precisa olhar para baixo, cá tem gente também”.

“E sapo é gente, seu anfíbio?”

“Depende de seu olhar, não?”

“Bem, qual seria o olhar que te faria gente?”

“Sei lá, sou apenas um sapo irracional, você é que é gente mesmo”.

“Então, ao chamar-se gente usou uma alegoria?”

“Não, falei o que sempre escuto”.

“Espera aí, você entende o que gente fala?”

“Sim, positivo, com certeza, tão certo como o sol castiga minha pele”.

“Eu estava admirando as estrelas e não te vi”.

“Sei”. Falou o sapo baixinho, quase sem ser ouvido.

“Como?”

“Não importa, é coisa de sapo”.

“O que é coisa de sapo?”

“Não tenho pescoço, então, é muito difícil olhar na direção do céu”.

“Não fale assim que vou chorar”. Brincou o rapaz.

“A natureza é sábia, você não resiste às invasões micro-bilógicas que enfrento”.

“Seu sapo. É assim que posso chamá-lo?”

“Pois não”. Respondeu o sapo com certa estranheza.

“É verdade que vocês são requisitados para rituais de magia negra?”

“É moço, alguns irmãos sapos optam por isso por causa da desigualdade social no mundo dos sapos.”

O rapaz ficou um instante calado, como que pensasse consigo mesmo, e olhou com muita timidez para baixo e perguntou ao sapo:

“Será que você conhece alguém, aqui na Lagoa do Soares, que pode me quebrar um galho?”

O sapo ficou indignado e saiu pulando como sapo até certa distância ouvindo os gritos de espere do rapaz. O sapo parou, virou como sapo, e disse:

“Não posso te ajudar. Sou um sapo protestante.”

“Rapaz; é só uma informação!”

“Lamento, não dá”.

O sapo foi-se pelo mato, e o jovem sergipano, de estatura fina, pele bonita, com um futuro promissor voltou para casa atordoado. Em casa, em sua cama, ouvindo o ronco de todos, ele adormeceu. Todos acordaram cedo no outro dia. Arrumaram as coisas e retornaram de carro para a cidade. Ainda no caminho, perto de um cemitério velho, ele avistou um ebó, e nele estava um sapo com um charuto na boca ainda vivo. O pobre estava um pouco engasgado, mas respirava. O rapaz gritou: “Pare o carro, um sapo!” Seus amigos riram sem parar não parando o carro. O rapaz constrangido calou-se e fez uma oração pela alma do sapo. Foi um final de semana muito estranho na Lagoa do Soares. Não sei, mas acho que a alma do sapo ainda anda por aí comendo mosquito e fumando charuto...

Roosevelt leite
Enviado por Roosevelt leite em 28/10/2010
Código do texto: T2584183
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