A Lua
Eu caminhava para casa. E a lua me olhava do céu, fixamente, com os olhos semicerrados e um sorriso sarcástico... Senti-me incomodado com aquele olhar. Seu olhar era como o de um gato malvado que se prepara para atacar, afiando as garras, saboreando previamente a carne da presa... Tenho muito medo do olhar da lua. Tenho medo de seu olhar de mistério, de seu olhar de malícia, de sarcasmo. Tenho medo da voz da lua...
Sim, a lua falou comigo naquela noite. Mas falou comigo com uma voz inaudível. Falou diretamente à minha alma, com uma voz penetrante, aguda, que fez tremer todo o meu corpo, fez-me congelar... Era como se a voz do espírito da lua falasse ao meu espírito.
E, de repente, a lua começou a me atrair, a sugar minha alma. Sentia minha alma saindo do corpo com dificuldade, como se os meus intestinos estivessem sendo puxados através de um pequeno furo, causando dor, desconforto. Senti-me levitar, voar pelos ares, por sobre as casas, pela cidade, aproximando-me lentamente do céu. E um frio opressivo começou a me dominar.
Um tempo depois comecei a sentir meu espírito sair de meu espírito, até sair por completo, e a casca de meu espírito caiu levemente, como uma pena, na terra. Senti sono, um sono incontrolável. Senti-me extremamente fraco. Adormeci. E meu espírito viajou para a terra dos sonhos. Ou pelo menos eu pensei que estivesse indo para lá. Pois quando eu acordei, estava na entrada do Inferno de Dante. E como se eu já não tivesse mais o controle sobre mim mesmo, comecei a descer inconscientemente os círculos do Inferno rumo ao centro. E a lua sobre mim, a me olhar incessantemente, tornando minha viagem ainda mais dolorosa. Quando me aproximava do centro, senti os círculos se estreitarem e me envolverem como um casulo. Os círculos foram ficando cada vez mais estreitos, e me apertavam com muita força, até explodirem. Enfim estava livre das cadeias do Inferno. Olhei para mim mesmo e me vi com asas tal como uma enorme libélula. Agora eu podia voar, podia ir até o céu e encarar a lua de frente. Pude fazê-la sentir o mesmo que eu senti até então. E vencer a lua, derrotá-la por completo, e me livrar dela.
Voei até o céu. Encarei a lua. Minhas asas se alargaram, meu corpo se esticou, até se tornar comprido como o corpo de uma serpente. Criei garras como as de um tigre e uma longa cauda. Meu rosto tornou-se como o de um crocodilo. Eu já não era capaz de falar, apenas rugia como um leão furioso. Rugi duas vezes, e na terceira não saiu mais o rugido, mas uma imensa labareda de fogo, que fez a lua recuar. Cuspi mais e mais fogo sobre a lua, até que ela se incendiou. O fogo começou a exalar uma densa fumaça negra, que cresceu e se espalhou diante da lua até cobri-la por completo, de modo que eu não mais a vi.
Minhas asas então desapareceram e eu comecei a cair. Caí por duas horas, até que meu espírito atingiu exatamente o meu próprio corpo. Abri os olhos, olhei para o céu e não mais vi a lua. Uma nuvem negra a encobriu. Eu, então, caminhei para casa.