Júlia e o Nego D’água

Era um lindo e agradável dia de sol. Todos se divertiam intensamente na fazenda, mas Júlia não estava envolvida. Sempre longe de tudo e de todos, principalmente do córrego.

Júlia tinha um pavor absurdo do córrego. Tudo porque, quando criança, teve disenteria e foi obrigada pela mãe a fazer suas necessidades ali mesmo, dentro do córrego. Acontece que Júlia sempre foi perturbada pelas histórias que ouvia desde o berço. Eram lendas sobre o boto, o Nego D’água e a Iara. A partir de então ela passou a temer que esses seres lhe fizessem mal, ofendidos pela sujeira dela na água. Era um trauma sofrido na infância. E como temia ser recriminada pelos amigos, por acreditar nesse tipo de coisa, guardava tudo para si.

Mas naquela tarde, seus primos, que não sabiam de nada, resolveram acabar com o que consideravam uma frescura e jogaram-na dentro do córrego. Riram tanto que nem deram conta de que ela havia desaparecido. Procuraram córrego abaixo, e não a encontraram. Entraram em pânico. Chamaram os pais. Os pais chamaram os bombeiros. Por fim, até a imprensa estava por lá.

Apenas um mês depois foi que Júlia apareceu, com um sorriso amarelado e insosso no rosto.

– Puxa vida! Eu já tinha até esquecido o quanto essa água é gostosa! Nadei tanto e nem vi que já estava longe... – disse.

Tudo mentira! Júlia estava era envergonhada. No período de tempo em que ela esteve longe do córrego, o Nego D’água entrou na universidade se aproveitando das cotas raciais, formou-se em direito e se tornou promotor de justiça. Quando Júlia caiu na água novamente, o então promotor conseguiu fazer com que ela pagasse uma pena leve pelo “pequeno delito” que cometeu ainda na infância. Na lei do rio, esse é um crime que não prescreve. Júlia passou o mês inteiro prestando serviços comunitários em uma comunidade ribeirinha...