A SALA VAZIA OU QUASE VAZIA
Ele estava em uma sala grande com pouca mobília, apenas um sofá no canto direito e uma mesa com quatro cadeiras. A mesa era de madeira envernizada, este já estava um pouco gasto. Entrou, olhou em todas as direções. Não havia ninguém. Sentiu um cheiro distante de éter. Pensou: “Deve ser um hospital”. Ficou sozinho naquela sala até aparecer uma senhora morena clara, cabelos lisos, presos por um lenço branco. Ela usava uma roupa comum. Mas o que o chamou a atenção foi seu tênis. Este estava em plena desarmonia com o resto de sua vestimenta. “Mas, não tem nada. Hoje tudo é assim”. Pensou ele. Ela falou-lhe sobre sua vida, seu passado, seu marido, etc. Ele a ouviu por educação. O que o interessava na verdade era a sala vazia. O que ele estava fazendo ali?
- Os homens perguntam sobre tudo, não é?
- Sim. Isto é verdade. Sempre querem saber mais.
- Onde cessa este fluxo?
- Não sei. Talvez em algum sepulcro por aí.
- Não é uma forma muito tola de falar sobre o conhecimento?
- Deve ser, mas, na verdade, por-que esta sala está vazia sendo tão grande?
- Deve haver alguma razão.
- Claro que sim. Há razão para tudo. Pelo menos damos razões a tudo. E quando nos faltam explicações, dizemos que foi um acidente ou a imaginação. Sempre terminamos explicando, mesmo que seja o inexplicável.
- O inexplicável é um conceito explicando alguma coisa, concorda?
- Sim.
-O que não temos referências para falar é desconhecido.
- Sim, não consta nos textos escritos sobre quase tudo ou o que achamos ser tudo ou quase tudo?
- E esta sala. Qual sua função estando vazia?
- Deve ser um estado temporário, em breve chega alguém.
- O uso temporário dela, não significa que ela não fica a maior parte do tempo vazia.
- Sim, sua colocação faz sentido.
- Além do mais, a sala é grande, mas tem poucas cadeiras. Apenas quatro, e um sofá para três pessoas. Esta sala é estranha você não acha?
- Não. Definitivamente não. Você é que é estranho.
- Por que sou estranho?
- Alguém se preocupar com uma sala não é normal, não acha?
- Qual a diferença em preocupar-me com uma sala vazia e as pessoas usarem as coisas como se fossem pessoas ou os animais como se fossem gente? Tem gente que gasta uma grana com um gato, mas não dá um pão a um mendigo.
- Sei, mas isso é socialmente aceito e as pessoas são assim.
- Sei, eu sou assim, digo, me preocupo com a função das coisas e o porquê delas estarem aqui. Digo, em algum lugar.
- Entendo.
- Entendo sua posição. Ela é bem comum, não?
- Como? Desculpe, eu estava olhando a sala.
- Sua posição de indiferença às coisas é comum.
- Acho normal. A sua atitude é que não é.
- Por quê?
- O que é uma sala vazia?
- Espere, é quase vazia, por que agora estamos nela. Mas quando cheguei, ela estava vazia. Contudo em relação ao seu tamanho, e a nossa presença ela é, digamos, uma sala vazia.
- Certo.
Novamente ele ficou só na sala vazia ou quase vazia. Caminhou até a janela e olhou através de sua vidraça embaçada de sujeira e umidade. Estava muito frio. Não havia carros, nem pessoas. Apenas uma rua vazia. As lojas estavam todas abertas, mas não havia clientes. Ele não ouviu nenhum som vindo de lá. Sentou-se à mesa e ficou um tempo esperando alguém aparecer.
- Você ainda está aí?
- Sim, estou.
- Onde foram as pessoas lá em baixo?
- Quem?
- As pessoas da rua.
- Ah, sei. Todas estão preocupadas com suas vidas. Estão sem tempo.
- Sei. Hoje em dia o tempo é curto.
- É mesmo, ontem não tive tempo para nada.
- Sei. Deve ser assim há muito tempo, não?
- Não sei. Minha vida é tão curta.
- Mas você gosta de saber sobre as coisas. Estava pensando sobre uma sala vazia. Pensei que poderia me responder sobre isso.
- Que comparação! A sala está aqui, o tempo é imaginação.
- Você pode provar que a sala está aqui?
- Claro, seu idiota, eu a vejo, mas o tempo é invenção e não há argumento contra. É fato.
- Não me chame de idiota!
- Desculpe.
Ele levantou-se da cadeira e deitou-se no sofá. O sofá era confortável, mas cheirava a mofo. “A coisa pública nunca presta!” Pensou ele. Ficou naquela posição talvez por horas, e ninguém aparecera. Não percebeu, mas o sono o pegou e dormiu. Acordou cansado e dirigiu-se à porta para ir embora, tentou abri-la e não conseguiu. Chutou a porta inúmeras vezes e nada. Ninguém respondia do outro lado. E agora?
- Os anos vão passar e você ficará preso aqui.
- Você, de novo?
- Não é assim, todo movimento tende a inércia sem motor para mantê-lo vivo?
- A vontade é o motor da vida. Mas reconheço a morte como fim.
- Pelo menos concordamos em alguma coisa.
- Sim.
- Mas, sua vontade não abriu a porta.
- Acidentes acontecem; alguém esqueceu de mim, mas, logo aparecerá.
- Tem certeza?
- Claro?
- Você tem baralho?
- Não.
Ele andou a sala infinitas vezes. Sentou-se outras tantas. Cansou-se disso. Finalmente descansou de seu cansaço entregando-se a um sono profundo.
Ei!