O encontro

Ela parecia uma daquelas pessoas que só encontramos em telas de cinema, traços marcantes, com toda elegância conseguia ser lasciva e manter a classe. Estava preste a completar quarenta anos de idade e ainda era virgem.Virgem no sentido mais profundo da palavra.Nunca houve quem desconfiasse disso, era um segredo que nem ela sabia. Não sabia o que era ter uma alma virginal, no entanto a tinha.

Tudo era sempre novo, desafiador e intrigante. Costumava entregar-se a valer aos seus projetos, a música era o seu talento maior, conseguia nos fazer sentir através das notas musicais o “sabor da vida”, ora doce, ora amargo, mas sempre sentíamos

Um dia, diante do espelho sentiu um arrepio apossar-se do seu corpo. Afastou-se um pouco como quem espiava algo à distância, aproximava-se e distanciava-se, naquele exercício de reconhecimento. Decepção. Não sabia quem era. Estava despida de tudo o que pudesse caracterizá-la como a grande estrela da música. Era a sua essência no espelho. Não se reconheceu.

Quis entender aquela imagem, observava minuciosamente. Aqueles olhos nunca viram o público que a aplaudia a cada concerto, aquelas mãos não eram as mesmas que deslizavam pelo piano. A boca, ah a boca talvez jamais dissera uma palavra vinda do seu âmago .

Enquanto mirava cada molécula, a imagem parecia estática, emoldurada num espelho sem fundo, era como se ela pudesse realmente tocar cada parte da essência que ali estava sem a interferência da película de vidro que cobrem os espelhos.

Ali, Ana percebeu que nunca vivera de verdade , que tudo o que vivenciava no seu dia-a-dia não era real, toda a sua música , que encantava a vida de milhares de fãs em nada realizava o seu ser , porque ela não vivia de verdade , não com a verdade que gostaria de viver , não com a verdade que desconhecia até aquele momento, a verdade da essência pura da mulher que estava à sua frente. Teve medo, medo de que a imagem sumisse e a deixasse num vazio completo, nuca sentira falta daquela parte de si até aquele instante inusitado,não queria deixar escapá-la .Agora que a conhecia não fazia mais sentido viver sem ela, e numa reação desesperada de quem não quer se perder , jogou-se com toda força contra o espelho, não teve a sorte da Alice. Esse espelho estilhaçou-se por todos os lados, vários partículas entraram pela pele de Ana dilacerando a sua carne fazendo vir à tona o sangue que se espalhava pelo seu corpo, naquele momento deixara de ser virgem.A vida começou a deixar cicatrizes.

Luciana Netto
Enviado por Luciana Netto em 26/10/2010
Reeditado em 26/10/2010
Código do texto: T2580096
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